sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Liana Canterle em entrevista exclusiva ao blog


Liana Canterle é farmacêutica graduada e Mestrada pela UFSM, diretora do curso de farmácia da URI e responsável pela farmácia popular em Santiago. Nessa entrevista exclusiva* ao blog ela faz ponderações sobre a gripe suína, o tamiflu e outras análises da maior relevância. Sugiro aos leitores e amigos do blog toda a atenção.

Na sua opinião, por que a política oficial de dificultar o acesso ao Tamiflu?

Este medicamento, cujo princípio ativo é o oseltamivir, tem como fabricante autorizado a comercializar no Brasil apenas o laboratório Roche, cujo volume de produção não foi capaz de atender toda a demanda inicial da pandemia da gripe, seja do comércio farmacêutico e/ou da saúde pública, ou ambos. Por isso o Ministério da Saúde restringiu o acesso e direcionou apenas aos casos graves, que realmente precisavam do medicamento.
Esta medida achei correta, porque, o comércio farmacêutico, sendo a segunda maior indústria em movimentação financeira do mundo – e muito inteligente – (só perde para o petróleo), já teria se dado conta de que um laboratório apenas com um certo volume de produção de Tamiflu seria pouco ( um nicho de mercado sem dono???), se isto não aconteceu, era porque o mercado não solicitava. Porém, com o surgimento rápido da pandemia, realmente o volume de produção não acompanhou a demanda, e o pouco que tinha teve de ser direcionado aos casos graves. Porém, à partir daí é que vem o problema, o medicamento deve ser administrado nas primeiras 48 horas, e como saber se a evolução de cada paciente nas primeiras 48 horas será para grave?? Principalmente porque normalmente os pacientes (e incluo todos nós neste grupo) não procuram atendimento médico no primeiro dia de uma dor no corpo, febre ou tosse. Por isso foram delimitados os grupos de risco, ou seja, aqueles que tem mais chance de se tornarem graves. É muito difícil de prever, até porque o teste que diagnostica a gripe A H1N1, em 2 dias, mal chega no laboratório de análise. Eu penso que esta restrição foi muito drástica, em alguns locais do país onde houveram várias mortes o medicamento poderia ser usado em maior quantidade.


O medicamento é mesmo eficiente? Por que ele é eficaz?
É eficiente. E era comumente usado por infectologistas em tratamento da gripe por exemplo em idosos, onde a possibilidade de complicações é maior por terem menos velocidade e capacidade de recuperação no organismo. É classificado como um antiviral, ou seja, capaz de inibir a disseminação do vírus da Influenza pelo organismo. Ele não é seletivo para a gripe A H1N1, é usado para todas as viroses do grupo Influenza. Administrado poucas horas após instalados os sintomas da gripe, o oseltamivir diminui a duração dos mesmos, e quando é administrado a pacientes com gripe confirmada, diminui a gravidade e a incidência de infecções bacterianas que resultam em bronquite, pneumonia e sinusite. Aí é que está a sua importância: diminui a duração e a severidade dos sintomas, possibilitando que uma gripe não se torne grave.
O oseltamivir não modifica a resposta imunológica contra este vírus, por isto não é necessário tomar preventivamente, só para evitar a gripe.


Existe ou não a possibilidade de se manipular - aqui na região- e chegar ao Tamiflu?
O problema de se manipular o Tamiflu é a disponibilidade da matéria prima, que só é fornecida pelo laboratório Roche, visto que o medicamento é patenteado. Todo medicamento referência, ou também chamado ético, ao ser registrado no Ministério da Saúde e ser patenteado, possui um tempo mínimo de comercialização exclusiva, e isto varia de acordo com o uso e aplicação terapêutica. Com certeza o Tamiflu deve ser protegido por patente aqui no Brasil. Aí é que está a chave da questão: no momento a produção é limitada pela disponibilidade de princípio ativo, que é patenteado e não pela capacidade de fabricação das cápsulas. Possível é, mas não tem matéria prima. Atualmente o laboratório Roche fornece a matéria prima para a Farmanguinhos, através de um convênio entre ambos (laboratório do governo, e onde se fabrica a maioria dos medicamentos da Farmácia Popular), o que possibilitou a ampliação do acesso.

Sobre a interferência do Ministério da Saúde na indústria farmacêutica, o que está havendo. As pessoas querem compras o Tamiflu mas ele não está disponível no mercado. As pessoas estão buscando medicamento de origem duvidosa em noutros países. Como este quadro pode ser visto
?

Acho que a interferência do Ministério da Saúde no mercado farmacêutico até é pouca em vários aspectos, é uma indústria muito poderosa e visa muito o lucro. Como exemplo tivemos a luta pela quebra de patentes e o lançamento dos genéricos aqui no Brasil, que foi difícil, e até hoje há respingos culturais negativos sobre os genéricos (respingos de quem ganha muito dinheiro com o comércio de medicamentos – ora, um produto que pode ter papel decisivo sobre a vida humana não pode ter proprietários). Vou falar como farmacêutica de saúde pública: tem tamiflu para todos? Não, já vimos o porquê. Se o governo não direciona, o rico sadio fica com o tamiflu no bolso e o pobre morre de tosse e febre que se agravaram para infecção porque não tiveram acesso ao Tamiflu. O que eu acho É que o ministério poderia ter agido mais rapidamente para ampliar a produção do Tamiflu, assim estaria disponível antes para mais pessoas. O problema foi a demora.
Existem duas origens “duvidosas” para os medicamentos: os produzidos legalmente e fabricados em outros países dentro das normas destes próprios países, que com certeza também tem qualidade, qualidade esta que não é atestada pela nossa ANVISA, mas é pela Vigilância dos seus países de origem. Se tu fores viajar para Buenos Aires e pagar a nova gripe, é este medicamento que vai receber, e não o nosso da Roche!!! Se necessário, antes este do que nada. O problema é quando o medicamento é falsificado, ou seja, não é medicamento, é farinha, corante e tudo mais o que não presta. Este não deve ser comprado, seu comercio não respeita regras de nenhum país.


Nossas autoridades avaliaram mal a possibilidade de expansão da gripe suina?


Na realidade, tudo era desconhecido: ninguém sabia sobre o comportamento do vírus, sua alta capacidade de transmissão, resistência, e principalmente grupos de risco. Isto só foi sendo definido observando-se o que já ocorreu. É uma situação nova, norteada pelos preceitos científicos da ciência da Biologia, mas nestes campos nada é 100%. Por exemplo, porque a gripe suína é tão severa com grávidas? Se tem suspeitas, mas comprovações e tudo à respeito virá com o tempo, com as observações principalmente a análise das estatísticas.

Por que é tão complicado os testes da gripe suína?
Os testes são baseados em Kits prontos da indústria. Estes kits possuem reagentes e substâncias específicas disponíveis em determinadas quantidades no mercado. O teste para determinar influenza não é muito comum, porque normalmente antes do resultado do exame a pessoa já começa a melhorar. Quando a demanda aumentou exponencialmente, não havia kits disponíveis.
-Problema de logística: o país é muito grande, os testes foram concentrados no centro do país, só no transporte de ida e volta do exame a pessoa já adoeceu e já melhorou, ou não. Esta semana os testes começam a ser realizados no estado.
-Eu acho que mais importante que o teste, é ter o tratamento disponível à todos. O tamiflu não é só para esta nova gripe, é para todas!
Sobre a mídia e como as coisas foram conduzidas, eu penso que no Brasil comumente há sensacionalismo sobre alguns pontos, mas neste caso, o governo federal e estadual não foi sincero com sua população. Tentando evitar pânico, retardou muito a liberação de informações da pandemia (número de casos, mortes...) ao invés de informar a população os corretos meios de prevenção. O assunto deve ser encarado com a seriedade que exige, sem pânico, mas sempre baseado em informações verdadeiras.

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Nota do blog: entende-se no meio jornalístico que toda a entrevista concedida a um único órgão de imprensa é exclusiva, uma vez que as entrevistas coletivas concedidas a vários órgãos de imprensa não são exclusivas, até porque são coletivas, é o caso da entrevista coletiva do MPF a imprensa gaúcha. Faço esse esclarecimento porque entendimenento diverso é fruto do nosso meio.