domingo, 18 de abril de 2010

Razão Dialética. A razão dos estudantes da URI

Só mesmo um poderoso instrumental de análise, a dialética, hegeliana e marxista, é capaz de explicar tantos descaminhos na rota do ensino superior em Santiago. Existem razões e contra-razões em tudo, discursos sinceros contruídos sob fundamentos falsos, discursos falsos em cima de fundamentos sinceros. A influência aristotélica é bucha e nossas construções de raciocínios, via de regra, são eivadas desses pressupostos teóricos. Como grassa o mecanicismo, sou quase incompreendido, mas gosto dos poucos que me compreendem. Toda unanimidade é burra mesmo.

Nínguém pode pensar a URI descontextualizada da realidade macro das concepções políticas e ideológicas do governo federal que pautam os rumos do ensino superior no Brasil. Quem ousa fazer esse tipo de raciocinio, ou é burro, ou faz por má fé ou nem devia estar metido em discussão sobre ensino superior, meritocracia, essas coisas.

Quem fala em voltar na URI de dez anos atrás, não sabe o que diz. A história anda para frente.

Que bom que esses estudantes resolveram reivindicar. Pena que outros sejam tão cordeirinhos e não sigam seus exemplos. Estudante existe é para incomodar, e quem não for, ao menos, espirtualmente, um revolucionário aos 20 anos, provavelmente será um canalha aos 40. Portanto, atenção babacas, eu nunca disse que era contra esse movimento do estudantes.

Diversas vezes, pessoas da sociedade me cobram uma opinião contundente sobre a URI, especialmente porque, em outras épocas, adotei uma posição crítica sobre dois assuntos específicos que envolviam nossa universidade. Primeiro, mesmo tendo sido crítico, nunca abdiquei das minhas posições mais amplas sobre o papel de uma universidade; segundo, ninguém ignora que fui um crítico sincero, minhas posições foram abertas e minhas divergências claras; terceiro, a URI não precisa apenas de adesões subservientes, até porque é na interação crítica que brotam os grande frutos; quarto, seria uma ingenuidade sem precedentes achar que tudo dentro da URI é perfeito, não se trata disso, a universidade está em vias de consolidação e muita coisa ainda precisa ser feito.

Compreender o papel de uma universidade, muitas vezes, não é tarefa simples. O senso comum, em seus juízos primários, entende a universidade como uma mera fábrica de diplomas. Nada mais errôneo. A universidade propicia a socialização dos conhecimentos acumulados e, em seus desdobramentos, interage com a sociedade, gerando saberes distintos, ciência, tecnologia e ideologia. ( Friso, de antemão, que uso a expressão ideologia no sentido gramsciano, como visão integral de mundo, como idéia).

Aqui em Santiago, a produção de saberes acumulados tem propiciado um rico debate no seio da sociedade, até porque a universidade reflete, em seu bojo, uma pluralidade de idéias. No debate sobre a transgenia ficou evidenciado este posicionamento e a despeito de posições divergentes, uns favoráveis e outros contra, brotou um consistente debate, visto que ambos os lados enriquecem o debate com posições teóricas bem fundamentadas. Outro debate que está surgindo com muita força dentro da universidade é o sobre a manipulação genética e pesquisas com células tronco; aqui, mais uma vez, um forte e apaixonante discussão está emergindo, com teses e argumentos enriquecedores. O recente pleito municipal também provocou um acalorado confronte do idéias dentro da universidade, com o ingrediente científico da ciência política, tão necessário para a politização.

Os exemplos aqui citados, transgenia, células tronco, pleitos municipais, biotecnologia,... servem apenas para ilustrar a força ideológica que emerge de um centro de excelência, visto que ele cataliza tendências e serve perfeitamente para a produção de uma síntese, que, embora não seja de um todo superadora, o é, entretanto, das contradições que existem em toda a sociedade.

Nesse particular é notável a contribuição da universidade para a nossa sociedade, eis que ela enriquece sobremaneira na formação intelectual da cidade e da região, na medida em que acrescenta elementos críticos nos mais diferentes debates que emergem.

Por outro lado, a inter-relação que se estabelece entre os saberes acadêmicos e os diferentes nichos sociais, resulta num saldo extremamente positivo para a sociedade como um todo. É claro que a universidade precisa ser aberta, democrática, aglutinadora de tendências e não autoritária em sua gestão.

Mas isso tudo são considerações interna corporis, muito particulares, conquanto a universidade tem - sim - a ver com as decisões políticas do governo federal e também é necessário uma interação com os processos tecnológicos, tipo as aulas via satélite e toda essa gama de novas ferramentas que a telemática forneceu à sociedade pós-moderna.

A questão da política do governo federal

A URI foi concebida dentro de uma conjuntura política que mudou toda. Mudou a conjutura, mas não a URI. Nos governos Collor, Itamar e FFHH, predominou a máxima do ensino privado e particular pari passu com o sucateamento do ensino público federal superior. Orientados por teses de Estado mínimo, não intervenção, o ensino superior público federal viveu o maior sucateamento de sua história. E a URI, gostem ou não, foi concebida nesse momento, sob os auspícios dessas ideologias. E assim foi projetada para um futuro brilhante, grandioso. A URI inseria-se nesse contexto de propagação do ensino privado/comunitário.

Entretanto, mudou o governo federal. Logo, mudaram-se as diretrizes, os enfoques, as linhas ideológicas. Agora, voltou a pauta os grandes incentivos públicos ao ensino superior gratuito. Não é difícil olhar ao redor de Santiago e ver que estamos cercados pela UNIPAMPA. Temos campi em São Borja, Alegrete, Itaqui, Uruguaiana, Quaraí, Rosário, São Gabriel, Bagé, Caçapava.

O que isso indica? Indica que o ensino superior público e gratuito está na ordem do dia como orientação política do governo federal. E nem estou falando na UFFS aberta em Erechim, no coração da URI, e nem estou falando na universidade latinoamericana que vem aí estourando.

Paralelo a isso, surge com força, essa extraordinária concepção de ensino técnico e tecnológica representada pelos IFETs, com igual oferta de ensino superior normal, sequencial e tecnológico.

Mais uma vez os IFETs cercaram Santiago; o de São Vicente foi modernizado e reformulado, veio o Centro Chapadão, veio o de São Borja. E está surgindo a escola técnica federal em Santiago, com atraso.

Com essa oferta abundante de vagas na rede pública federal, mais os incentivos tipo PROUNI, somados aos IFETs, fica fácil compreender que essa explosão de vagas públicas afetou em cheio a URI e a sua concepção inicial de universidade, concebida nos idos de 91/92/93.

Por outro lado, a modernidade tecnológica, expressa na telemática, engendrou o ensino superior a distância, os EADs, aulas via satélites, que abocanharam uma fatia expressiva do mercado de ensino superior.

Tudo isso afetou os planos de expansão da URI e a própria essência da concepção de ensino superior na qual ela foi gestada.

Ademais, mesmo o investimento na qualidade, que tantas vezes eu próprio defendi, como diferencial, acabou desmanchado pela forte crise que afetou as universidades particulares gaúchas. É só olhar os índices de aprovação nos exames de ordem da Católica de Pelotas, PUC, Unisinos, ULBRA, URI, UNIJUÍ ... e cotejar com a UFRGS e UFSM, que fica evidente a ausência de qualidade. Senão, como explicar que 71% dos alunos da UFSM são aprovados e apenas 13% da ULBRA conseguem tal aprovação? O que explica tamanha contradição?

É lástima que o debate sucessório na URI esteja tão pobre. Eu queria ver troca de idéias, teses, propostas.

O único fato novo, para não dizer que não falei de flores, foi esse protesto dos estudantes. Embora eu apóie e compreenda seus pleitos, confesso que acho profundamente estranho essa explosão somente agora, em pleno período eleitoral. Eu acho que o Clovis, o Chico e a Saleti são pessoas boas, decentes, dão tudo de si para manter essa universidade. Só que quem limita tudo é a realidade conjutural do país, eles até fazem o que podem, mas nem eles e nem ninguém vai conseguir ir além do que é como está. Dentro dessa perspectiva, nem os estudantes sabem o que estão fazendo e nem a direção e os teóricos do staff sabem compreender a questão conjuntural e estrutural posta, essa, maior que todos nós e nossas vontades. Os estudantes, a rigor, querem melhorias na qualidade do ensino, é o que dizem! Só que essa qualidade não passa nem por reivindicações e nem por promessas.

Essa sacudida, protestos estudantis, gente cricri, isso é muito bom. Santiago precisa disso.

Só que furo da bala é muuuuuiiiiittto mais embaixo.