terça-feira, 6 de abril de 2010

A tragédia e o anúncio


Na faculdade de sociologia fui aluno da geógrafa chilena Olga Erendira nas disciplinas de “População e Desenvolvimento” e “Dinâmica Populacional”. Olga tinha doutorado-se na Bélgica e trabalhava conosco a questão das concentrações populacionais, com enfoque às grandes cidades e ocupações irregulares dos espaços físicos urbanos.


Já sob a influência de Olga, participei de um encontro na UNE, no Rio de Janeiro, em 1987, e aproveitei a oportunidade para conhecer um pouco à realidade da favela da rocinha. Já naquela época a ocupação era um descalabro total.

Muitas vezes, na PUC, na UNISINOS e na UFRGS, paramos para discutir as ocupações de áreas de riscos e as grandes concentrações populacionais em nossos encontros de sociologia. Refletíamos: Que fatores levam à concentração? Por que as autoridades são impotentes para impedir a ocupação de áreas de riscos? O que pesa na mobilidade urbana? Por que não existem propostas de desconcentração urbana?

Hoje, revendo o caos provocado pela chuva no Rio de Janeiro, passou um filme na minha cabeça. Há 23 anos discutíamos, em sociologia urbana, um fenômeno cada vez mais crescente. Passaram-se décadas e os problemas perduram. O caso do Rio de Janeiro é emblemático, mas revela bem a síntese de um problema que atinge grandes e médias cidades brasileiras. Não é por falta de estudos de planejamento urbano e teses afins. Mas...Teoria é uma coisa, a realidade prática de nosso cotidiano, outra.

A extensão da calamidade pode muito bem ser vista na ausência de escoamento de água da chuva, bocas de lobo entupidas, ocupação e construções de casas em morros sem o devido planejamento ambiental e sem nenhum estudo de impacto dessa mesma ocupação. O caos do Rio é o mesmo de cidades catarinenses, de São Paulo, e de várias outras cidades brasileiras.

Essa tragédia enceta em nossas mentes reflexões subjacentes a nossa realidade, a realidade de nossas cidades. Todos os manuais de ONGs sérias condenam o asfalto urbano. Asfalto urbano mata os lençóis freáticos, represa a água das chuvas, gera o esquentamento da cidade e eleva a sensação térmica do perímetro urbano. Não sem razão, modernas cidades européias estão terminando com asfaltos e voltando ao velho e seguro calçamento. Só que os adeptos do progresso a qualquer custo acham que asfalto é modernidade e que calçamento é coisa ultrapassada. Asfalto é um caos para o meio urbano e uma fonte de corrupção conhecida em qualquer cidade brasileira.

Por outro lado, temos aqui em nossa região exemplos de como se processam essas ocupações de áreas de risco. É o caso do morro do Obelisco em Jaguari. Aquilo é uma tragédia anunciada, mais dia ou menos dia, a natureza vai reagir e restarão apenas lamentações. No Rio de Janeiro, um dia também foi assim, foram ocupando aos pouquinhos, aos pouquinhos e ninguém fez nada. Hoje, quando as atenções do mundo se voltam para a cidade maravilhosa, devido à catástrofe de uma simples chuva, todos refletem sobre o que poderia ser feito, mas que não foi feito.

É claro que a tragédia é uma combinação de vários fatores, entre eles, o volume de chuvas, o péssimo sistema de drenagem urbana, ralos entupidos pelo excesso de lixo, ocupações residenciais de áreas de riscos, mas um grande fator sociológico/demográfico talvez responda a questão maior: é possível desconcentrar a grande densidade populacional num mesmo espaço físico?

A concepção de concentração populacional tem ainda outros reflexos afetos à calamidade social e essa se expressa no crime, na pauperização dos estamentos sociais e a própria favelização, com todas às suas mazelas, tem a ver com a concentração.

Do Rio, da tragédia do Rio, podemos apenas ser solidários e extrair lições. A principal delas é afeta ao planejamento urbano e, supletivamente, aprender com os erros dos outros.

Criar um bairro como o Ana Bonatto, aqui em nosso meio, é um exemplo dessa visão errada; deixar a expansão no morro Obelisco, é outro; asfaltar ruas, nem pensar!!!

A política pressupõe conhecimento sobre urbanização, planejamento urbano e entendimento das grandes concepções que norteiam e orientam as maiores ou menores densidades populacionais num dado espaço físico. O populismo é o maior inimigo da boa política e da democracia. Geralmente, os políticos, que sobrevivem de olho na próxima eleição, cedem aos interesses imediatos da população e só isso explica a ausência de ação (ou a omissão) com a ocupação de áreas de riscos, de Santa Catarina ao Rio de Janeiro, de Jaguari a São Paulo.

O fenômeno da urbanização relaciona-se com vários outros fatores e esses vão desde a verticalização da agricultura e pecuária até a questão explícita da leitura que emerge dos números e índices de população rural. Nossa cidade, por exemplo, experimentou um fantástico “boom” de urbanização com o deslocamento de grandes massas populacionais do meio rural para o urbano. Agora eu pergunto: nossos políticos sabem entender tudo isso? Como se processou esse deslocamento? Que tipo de reivindicação imediata gerou essa nova densidade populacional no perímetro urbano? É claro que é errado falar que vivemos uma urbanização enquanto fenômeno sociológico, mas dentro da nossa micro-realidade populacional é aceitável refletir sobre esse deslocamento, sobre a densidade e sobre as novas demandas que emergiram desse fenômeno.

A tragédia dos outros, força nossa reflexão. Sem ela, não estaria me ocupando dessa análise, embora quem conheça meus escritos saiba que há muitos anos escrevo sobre essas questões afetas a densidade populacional, concentração urbana, ocupação de espaços físicos e tudo mais. Perco tempo e dinheiro, pois sei bem o quanto sou e vivo incompreendido, mas – pelo menos – já tomei consciência que devo parar e buscar novos rumos.