quinta-feira, 24 de junho de 2010

Mídia e Sociedade: a carnalidade e o libidinoso inconsciente do coletivo social, elementos críticos ao debate

A explosão de pedofilia que toma conta do país, enseja, supletivamente, um outro tipo de debate: a grande questão que se levanta é uma reflexão necessariamente crua sobre como administrar os impulsos da libido e o apelo carnal, incentivado pela mídia, com a razão exigida por uma sociedade supostamente civilizada.

É claro que tentamos evitar a barbárie e que lutamos pela civilidade. Mas outras reflexões devem ser colocadas no debate.

Dias atrás, caminhando por uma rua da cidade, parei para observar um enorme painel publicitário: uma propaganda de calçado era centrada na especulação de um corpo seminu de uma menina. A pose da foto, altamente erótica, embalada pela subjetividade de insinuações, era muito mais um apelo ao despertar das libidos do que uma publicidade de calçado em si. Talvez poucos atentassem para a marca do calçado, mas, com certeza, todos fixavam seus olhos na foto erótica e seminua da menina.

A televisão, em especial, descarrega em nossas casas, diariamente, um show de nudez. Os filmes e novelas são centrados na nudez da mulher. O enredo cede espaço aos apelos eróticos e a esteriotipização do corpo esbelto. Das curvas de Débora Secco, ícone das novelas, aos shows – tipo Faustão –, lá sempre estão às mulheres nuas e seminuas. Não bastasse o apelo das novelas, também os comerciais, sempre apelam para a nudez. E quem duvidar disso que observe as propagandas de cerveja, quanto maiores ancas e bundas, melhor a cerveja.

Bestializada, nossa sociedade perdeu os rumos. Tudo virou esteriótipo. Passamos a cultuar os corpos esbeltos e perfeitos. Aceitamos um padrão estético imposto pela mídia e somos todos infelizes. Uma mulher vale pelo corpo, de preferência magro. Ocorre que entre a idealização e a realidade de nossas vidas existe um abismo. Abismo que existe da mesma forma entre os corpos esteriotipados pela televisão e a realidade dos corpos carnais e concretos das mulheres de nossa sociedade. Um corpo de mulher, cultuado na flor de sua juventude, muda com o tempo. Uma gravidez, o anticoncepcional e, sobretudo, a situação econômica não permitem o culto do escultural todo o tempo.

Entretanto, a mídia deseduca, pois não enceta reflexões sobre a realidade da vida, em especial, sobre a realidade da vida de uma mulher, mãe e trabalhadora. Não existe educação para o envelhecimento, não existe preparo educacional e nem base moral que ensine respeitar a mulher pelo conteúdo, pela essência, em suma, pelo que ela realmente é. O valor está no corpo, no novo e no esbelto. E isso é cruel.

Por outro lado, tudo incentiva a carnalidade e joga lenha simbólica na fogueira do incêndio libidinoso do coletivo social. Uma menina que não use calças justas, realçando os traços das pernas e a saliência das nádegas, é tida como quadrada, cafona, “que não sabe se arrumar”. E o “se arrumar” pressupõe blusas coladas ao corpo, seios realçados, turbinados, mesmo que sejam com meros soutiens que simulem tamanho e incitem volúpia. Soma-se a tudo isso, o umbigo de fora, verdadeira “mania nacional”, que um dia já foi a bunda.

Esse errôneo espiral aponta para um mundo mágico e irreal. Todos, consciente ou inconscientemente, buscamos a fantasia, o sonho impossível. Vivemos um choque entre o que somos e a fantasia que vivemos e buscamos. Somos, sim, a realidade cruel de um quotidiano violento. Sem noção de respeito aos ancestrais e sem tradição vivemos presos a epítetos, símbolos, marcas e pequenos esteriótipos, tipo comprar na C&A por causa do comercial da Gisele Bündchen.

Tudo se tornou enlatado, até nossas vidas. Leitura? Que saco ler um livro, melhor é novela da Globo ou do SBT. Assistimos sem nenhum esforço e, nos intervalos, somos bombardeados pela esperteza subreptícia dos geniais marqueteiros. Para ser bem-vindo à vida, só num Eco-Sport. Quanto maior o camionetão, maior é o símbolo da potência. Até a virilidade passou a se expressar nas máquinas e nas marcas.

Os jovens e as jovens que não alcançam estes sonhos, já começam a ser sepultados no início de suas adolescência. O crime, o tráfico e a prostituição são caminhos fáceis, talvez até sedutores. A violência é apenas um subproduto desse doentio espiral social. Quantas jovens são estupradas a cada sábado à noite em Santiago? Quantos jovens roubam e furtam, para viverem um fim-de-semana do produto do furto? Quantas jovens se jogam no primeiro carro que desce a rua de sua casa sonhando com ascensão? Por que o carro interessa mais que o eventual motorista?

É claro que todas as questões aqui levantadas refletem apenas um lado da questão, são parciais e fragmentadas. Precisamos adentrar em reflexões maiores, relativas, por exemplo, ao eterno digladiar do homem entre seus instintos e a razão. Se fôssemos adentrar no esquema freudiano, ficaríamos restritos ao contraponto do ego, do id e do superego, razão pela qual é muito oportuno buscarmos subsídios em filósofos que, com muita propriedade, refletiram entre o choque da razão e a vazão dos instintos. E, em cada crime, em cada ato de violência, em cada barbarismo, em cada estupro, em cada incesto, vem-nos à mente a força do raciocínio nietzschiano, afinal o filósofo chegou a propor uma ruptura entre a razão e os instintos.

Se por um lado, somos forçados, enquanto sociedade organizada e civilizada, a reconhecer que todo o mercado de consumo e seu respectivo incentivo giram em torno do corpo da mulher e dos apelos eróticos e libidinosos, por outro, somos também forçados a afirmar que o homem é impulso, violência, potência e ira. O fato de escondermos nossos impulsos bárbaros e primariamente instintivos, afetos à crueldade e à violência, não quer dizer que eles deixaram de existir. Pelo contrário, eles estão guardados em algum lugar do nosso subconsciente. Basta a oportunidade e eles afloram, como aflorou com a tortura americana em Abu Ghraib, como afloram no inconsciente coletivo de um povo que defende a guerra, como afloram no ódio racial, como afloram no preconceito contra judeus, pobres, negros, prostitutas, homossexuais, velhos, doentes, aleijados, gordos e crianças.

Esconder isso é mascarar o debate. Talvez, nesse momento em que escrevo este breve artigo, uma criança esteja sendo estuprada. E crianças continuarão sendo estupradas. Jovens continuarão sendo violentadas, vítimas de todo o tipo de agressão, vítima de barbarismo dos nossos instintos primários.

A violência é um instinto primário e se manifesta na primeira oportunidade. O ser humano tem violência dentro de si e necessita, de alguma forma, descarregá-la. O que são os crimes senão a manifestação de ódio, raiva, rancor e violência, seja ativa ou reativa? Por que pessoas se espancam, ferem-se a facadas e a tiros?

Assim, é fácil concluir que a sociedade semeia ventos e colhe tempestades. Ao produzirmos filmes e comerciais publicitários que incitam a libido, não estamos fazendo nada mais nada menos que jogar gasolina no fogo. Nossa sofisticação pacifista, aquela mesma aludida por Freud, vive em choque com a realidade, pois somos uma coisa e tentamos ser outra.

O atual estágio do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, cada vez mais excludente, está a gerar um processo de guerra civil urbana, onde a vida e a morte foram banalizadas, como nos filmes de horror. Em suma, às condições do desenvolvimento econômico do país, atolado na miséria, contribui sobremaneira para o encetamento da violência. Se somarmos o caos da miséria com os instintos básicos que deveriam ser trabalhados e racionalizados, e se acrescentarmos a tudo isso um apelo de mídia, incitando práticas comerciais a partir da nudez do corpo e do culto à estética perfeita, nem precisaríamos divagar sobre a realidade da matéria, que se degrada, e teríamos uma mistura explosiva, nitroglicerina pura.

Assim é que estamos. É claro que uma reflexão desta ordem, mais profunda, implicaria, inclusive, numa análise de comportamento social em nível mundial. E, mesmo para tentar entender a sociedade santiaguense, seria necessário situarmos tudo, no mínimo, no contexto nacional. Este pequeno texto invoca uma reflexão acerca dos novos comportamentos e reações detonados a partir da mídia, bem como tenta situar o contexto de miséria no atual estágio do desenvolvimento econômico do país. Por fim, é feita uma breve abordagem, sem nenhum aprofundamento, acerca do digladiar do homem entre a razão e vazão dos instintos.