sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Gato de tapera, em belo conto de Ruy Gessinger

O Ruy Gessinger, afora sua inteligência polímata, escreve com maestria. Vou guardar essa sua segunda historinha, parece que a Nina vai gostar rsrsrsrsrsrsrsrs http://blog.gessinger.com.br/ .
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Numa das invernadas da estância da minha família ( rectius, da d. Maristela) existe uma tapera. Não dessas taperas em escombros. É uma casa, ainda tem telhado e aberturas, era ocupada dezenas de anos atrás por um posteiro, não vale a pena sua recuperação, uma das portas caiu e seu interior está todo cagado pelas vacas. Em seu redor os indefectíveis limoeiros e laranjeiras, maltratados, mas resistindo galhardamente na sua condição de testemunhas vivas dos miasmas e fantasmas.



Ontem cedo, muito de madrugada, fomos reunir as vacas gordas que iam ser carregadas e que estavam ali naquela invernada ( não dá para juntar de véspera porque elas ficam costeando e perdem peso). Umas 4 ou 5 ganharam o mato e foi preciso que os campeiros entrassem para ver se desentocavam as matreiras.


Apeei do Tiaraju e me sentei numa pedra, de frente à tapera.


De repente me surge um gato, pelo meio tigrado. Ficou imóvel, com uma patinha no ar, me fixando daquele jeito que só os gatos e algumas mulheres sabem fazer.


Saudou-se respeitosamente com um miau.


Não deu para ver qual seu sexo, mas acho que era um gato relativamente novo, conquanto o achasse um pouco magro. Mas logo me lembrei que não existe nem campeiro, nem pescador profissional gordo. Como ele é um gato campeiro, era magro.


Eu tinha colocado umas massinhas nos arreios para comer, caso tardasse a lida. Atirei uma para ele que comeu de um soco só e me pediu mais.


Fiquei pensando: como é que apareceu esse gato nessas lonjuras, longe 6 kms de qualquer casa? De certo se vira caçando passarinhos, preás, quem sabe filhotes de cobras.


Ele continuava ali me olhando fixo nos olhos.


Fosse um cusco já estaria me adulando, se retoçando, abanando a cauda.


Acho que no antigo Egito só os gatos eram deuses: os cuscos não.


Os gatos são loucos de orgulhosos.


Tentei me comunicar telepaticamente:


- chê, como é que tu vives aqui nesses fundões sem uma companheira, para sestear, para fazer amor, para charlar..


Tive a nítida impressão, lá do fundo das células inativas da linguagem telepática ( já que embestamos de falar e falar demais, elas embotaram nos humanos..) que ele me disse:


- vocês humanos só pensam nisso.


Me deu as costas, me dispensou e sumiu para dentro da tapera.


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Para meus leitores de outros estados, especialmente do nordeste e norte: Ruy Gessinger é Desembargador aposentado do TJ/RS, formado pela UFRGS, pós graduado na Alemanha, Escritor, Professor Universitário e titular de um dos mais conceituados escritórios de Advogacia do nosso Estado.
http://www.gessinger.com.br/advocacia/contatos.htm