domingo, 27 de fevereiro de 2011

Protestos no mundo árabe abalam Israel

Steven Erlanger, do The New York Times
As antigas certezas sobre o Oriente Médio foram reviradas e Israel está encontrando muitos dos seus parceiros mais confiáveis abalados ou derrubados pela agitação popular. O Egito foi por muito tempo um dos mais importantes aliados de Israel, e os laços do país com a Tunísia também eram discretamente fortes. Com as manifestações por mudanças abalando também Jordânia, Bahrein e Marrocos, Israel se encontra em dificuldades. "Muitos dos nossos pressupostos foram quebrados", disse Mark Heller, analista do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, em Tel-Aviv.
Os israelenses temem que os movimentos pela democracia árabe acabem sendo dominados por extremistas, como aconteceu no Irã após a revolução de 1979, que derrubou o antigo xá. Eles se preocupam com a transição caótica entre a revolta e a estabilidade democrática, se ela vier. Eles veem a Irmandade Muçulmana do Egito, mesmo que permaneça como uma minoria, como um grupo que fará pressão para uma maior solidariedade com os palestinos e o Hamas, o ramo palestino da Irmandade. E temem que seus parceiros regionais no controle do Irã estejam sob ameaça ou em queda. Analistas árabes avaliam que as novas realidades e democracias na região devem ser abraçadas por Israel porque a nova geração árabe compartilha de muitos dos mesmos valores de Israel e do Ocidente. Eles argumentam que não há apoio entre os líderes do Egito para a revogação do Tratado de Paz de 1979, embora ele não seja popular com o público, e que o Exército egípcio não irá prejudicar a política externa. "Não há regime que seja contra ou hostil em relação a Israel no curto prazo", disse Mohamed Darif, cientista político na Universidade Rei Hassan II, de Marrocos. "Houve uma evolução no mundo árabe, entre as elites políticas e a sociedade civil. Israel é um fato". Mas os novos governos são mais suscetíveis a aumentar seu apoio à causa palestina, com o Egito já reabrindo a passagem para a Faixa de Gaza governada pelo Hamas. Essa nova atitude pode pressionar Israel a fazer mais para encontrar uma solução para o problema, alguns analistas argumentam. A maioria dos outros acredita que Israel, ao contrário, deve resistir, alegando que eles não podem fazer concessões porque está cercado por vizinhos mais hostis.

"A indignação generalizada sentida pelos egípcios, que se veem como os carcereiros de Gaza em nome de Israel e Washington, dará lugar a uma política realista na qual os egípcios usam os seus laços com Israel para pressionar o país a adotar uma postura mais respeitadora da lei em relação aos palestinos, sírios e libaneses", escreveu Rami G. Khouri, analista da Universidade Americana de Beirute, no Yale Global Online. "O Egito irá manter a paz com Israel, mas também deve elevar a temperatura em questões de interesse nacional profundo para os árabes". A questão entre Israel e palestinos não foi importante para as revoltas democráticas, disse Marwan Muasher, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia e seu primeiro embaixador em Israel. Mas ele disse que isso pode mudar no futuro. "Não resolver a questão Israel e palestinos hoje vai complicar as relações entre os governos emergentes árabes e seu povo de um lado e o Ocidente do outro", disse Muasher, agora vice-presidente da Fundação Carnegie. "Nesse ambiente de liberdade, será muito difícil para os novos governos árabes ignorar a ocupação". Olivier Roy, professor do Instituto Universitário Europeu, na Itália, também espera que um novo governo egípcio tenha "uma política mais aberta em relação aos palestinos, ajudando mais os habitantes de Gaza através de doações e transportes". Mas ele argumentou que isso "não será muito", apesar de muitos israelenses preferirem uma Gaza dependente do Egito a uma voltada ao Irã.

Enquanto os israelenses se preocupam com a Irmandade Muçulmana, Roy afirma que a revolta surpreendeu e marginalizou o grupo. "A Irmandade ficará muito feliz em representar algum tipo de oposição", disse. “Eles não querem estar na linha de frente. Portanto, não prevejo uma grande mudança geoestratégica", disse Roy. "Já os sauditas e israelenses estão convencidos de que haverá uma”. Outros analistas veem uma grande oportunidade para Israel. ''É uma situação totalmente nova, que está sendo descoberta agora", disse Gilles Kepel, um estudioso do islã no Instituto de Estudos Políticos de Paris. "Eu acredito que há uma abertura grande e a bola está no campo israelense”. Os militantes islâmicos da região estão divididos entre os radicais e os 'participacionistas’, cujo modelo é o partido governista da Turquia", disse Kepel. "Eles vão ter de lidar com a democracia e ver seus compromissos ideológicos se corroerem”. Mas os israelenses estão ansiosos, especialmente sobre a Jordânia, onde o rei parece incerto tanto sobre a Irmandade Muçulmana quanto sobre as vozes seculares de esquerda do Egito. O embaixador de Israel nos Estados Unidos, Michael Oren, elogiou a democracia egípcia em um artigo de opinião no New York Times, mas observou com preocupação que ''o líder reformista, Ayman Nour, declarou que ‘a era de Acordos de Camp David acabou'”.

Os israelenses também notaram a presença de Youssef El-Qaradawi, um teólogo islâmico egípcio que havia sido exilado por Mubarak, na Praça Tahrir e a disposição do Exército egípcio em deixar alguns navios de guerra iranianos passarem pelo Canal de Suez. Não são apenas os israelenses que estão preocupados, observou Heller em Tel-Aviv, apontando para o protesto das mulheres na Tunísia preocupadas que suas liberdades existentes possam estar em risco em uma nova democracia mantida por muçulmanos mais radicais. O debate principal é saber se Israel deveria ''permanecer imóvel, vendo o quão confiáveis são nossos parceiros", ou se Israel deveria "tirar a si mesmo da equação ao fazer algum progresso na questão palestina", disse Heller, que descreveu a segunda solução como a mais difícil. "E claro, em Washington o debate é o mesmo”.

Dore Gold, ex-embaixador israelense na ONU e ex-assessor do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que a democracia árabe poderia tornar Israel um país mais seguro. ''Durante anos, os líderes árabes que pensavam ter problemas de legitimidade porque não foram eleitos pelo povo usaram diversos argumentos diante de sua população, como a unidade árabe, a solidariedade islâmica e, o mais importante, a luta contra Israel", disse ele. "Então, se você tiver regimes legitimados por eleições democráticas e um governo responsável, eles vão depender menos do conflito para a sua própria situação interna”. Mesmo assim, ''a transição para a democracia está cheia de todos os tipos de armadilhas”, disse Gold, argumentando que a desestabilização regional ajudou o Irã, uma ameaça que Israel considera mais importante.

O próprio Irã, é claro, tem sofrido com suas próprias divergências internas, mas os analistas israelenses não veem o governo como atualmente vulnerável. Os israelenses se preocupam em estarem cercados por militantes islâmicos apoiados pelo Irã - o Hezbollah ao norte, o Hamas ao sul e a Irmandade Muçulmana no Egito - e os oficiais israelenses acreditam que terão novos problemas de segurança caso haja um colapso na partilha de informações com o Egito e o aumento do contrabando de pessoas, armas, dinheiro e bens em todo o Sinai. Muitos analistas veem um papel crescente para a Turquia, uma democracia muçulmana com um Exército forte e laços com os Estados Unidos, Israel e o Ocidente. ''A Turquia será beneficiada com a democratização árabe, conforme sociedades mais abertas e dinâmicas aprendam com o país e sua famosa mistura entre islamismo e secularismo”, Khouri escreveu. O modelo turco seria um bom resultado para Israel, muitos israelenses concordam. Mas, como eles também notaram, as relações com a Turquia têm sido profundamente prejudicadas por sua proximidade a vizinhos muçulmanos como o Irã, o Hezbollah e o Hamas.