domingo, 15 de maio de 2011

Crônica da normalidade. A vida aos domingos em Santiago


Os primeiros rabiscos de uma vidinha
Sexta-feira é sempre um dia muito singular em nossa cidade. Euforia pelo final-de-semana que se descortina a nossa frente e a perspectiva de descanso é sempre bem-vinda.

A véspera de sábado é ainda mais comemorada. A festa da URI foi frustrada para nós. A Nina estava com 38 de febre e nossos planos foram abruptamente alterados.

Mas nossa cidade tem um rito todo singular. Sábado é dia de missas, de cultos e compras. Lavada a alma e acertada as contas com Deus, todos ficam mais leves. Seja para as brigas e agressões dos sábados, seja para a ingestão de alimentos, churrascos e bebidas do domingo.

Gosto de apreciar os domingos pela manhã e os rituais das famílias. Ao invés de dormirem, muitos começam a andar cedo. É claro que temos missas e cultos, mas também temos mercados, fogo, churrasco, risoto, cervejadas e soneca depois do almoço.

As tardes dominicais em Santiago são incríveis. Os mais pobres amontoam-se nas salas apertadas de olho na TV e na pauta do Faustão, Gugu, ou algum jogo de futebol. Os jovens sobem das vilas com uma garrafa térmica e chimarrão. Ocupam a praça e o calçadão. Tudo é diferente. Desde as roupas até os cabelos com gel e adereços. Os riquinhos e filhos da classe média saem de carro, de moto e desfilam por onde os pobres ficam admirando. Os mais ricos, com suas camionetas e carrões, pegam a esposa, a cuia e o chimarrão e saem passear, passando dez ou doze vezes pelo mesmo lugar. Todos dirigem calmamente, igual a um desfile. Olham, sorriem e abanam-se, curtindo o som rompe-tímpanos.

O final da tarde é marcado pela debandada. Os evangélicos vão para os cultos de terno e gravata e as mulheres de vestidos longos e novos. Uns vão de carro, outros nos ônibus da Centro-oeste e alguns de bicicleta levam a esposa na garupa ou no varão da bicicleta.

Mas todos querem o Fantástico e ficam hipnotizados na rede globo. É o assunto da segunda-feira. Quem não viu o Fantástico é desinformado. E temos aqueles que adoram o Silvinho e outros choram com a bondade do Gugu, reaproximando familiares há anos distantes.

O final de tarde é também propício para passar as roupas, arrumar o roupeiro e sonhar com uma vida melhor, senão planejar uma dieta.

A noite de domingo é sempre light e todos aproveitam as sobras de almoço do meio-dia. Uma comida leve, dizem. Um café, talvez.

Eu não sou diferente e sou babaca como todos que aqui vivem. Vou a padaria e compro pão de queijo com guaraná. Ao meio dia almoço na Gaúcha.

Bem, vou me preparar para curtir mais um final-de-semana em minha vida. Faço de conta em tudo, inclusive que vivo em sociedade, que estudo, que tenho uma posição social e que sou um homem de família. Só assim escondo o anti-social que habita minha alma. Mas nem sei se tenho alma. Bem, essa discussão é irrelevante, o que importa é que eu tento ser normal, e por isso vou ao mercado, compro leite e patê de presunto, mangas e estrogonofe de frango. A Eliziane compra bolachas de chocolate, salgadinhos e iogurtes. A gente pega o carrinho e anda junto, compramos danoninho para a Nina. Parecemos um casal normal. Viva David Cooper.

O que é a vida senão uma encenação só?