segunda-feira, 16 de maio de 2011

Existe fome em Santiago? Apenas uma reflexão na semana da solidariedade

Debate pouco incitante, alvo de tabus, inclusive, é à reflexão sobre a fome, especialmente porque esse é um dos aspectos mais indecentes de nossa civilização e que mais tem a ver com o assunto: alimentação.

Sim, pessoas, em todo o mundo, em diversas partes do planeta, enfrentam esse drama cruel. Meu blog, apesar das tentativas de ser cosmopolista, acaba sempre sendo universal dentro de Santiago, minha aldeia. Sou um pouco de Tolstoy e, às vezes, quero ser um pouco universal descrevendo minha província.

Sou provinciano, sou homem do interior. Sou de Santiago, uma cidade que tem um rebanho bovino de quase 300 mil cabeças, quase uma média de 6 animais por habitante. Afora esse gigantesco rebanho bovino, temos, em menor proporção, ovinos, suínos e caprinos. E de quebra, grande e gigantescas lavouras.

Nossa cidade é bonita. Tem um centro bem cuidado e até uma rua dedicada aos poetas. Temos bairros lindérrimos, onde mansões belíssimas dão o tom. Temos, também, uma classe média alta e média média bem estável. Casas boas, carros de luxo e tudo mais.

Mas temos, também, bairros pobres, miseráveis e neles temos gente pálida, miseráveis, para ser sincero, gente que passa fome.

Graças ao bolsa família, a fome não é maior. Mas os ricos vivem metendo o pau no bolsa família. Aqui na nossa cidade são mais de 3 mil pessoas vivendo assim. E isso não é pouco não.

Entretanto,  aqui, apesar do rebanho bovino, pobres não comem carne e apesar das lavouras faltam alimentos. Só aí começa a cair a máscara dos defensores do novo código florestal, pois no meio de uma agricultura pujante como a nossa, é inconcebível pensar em fome nos estamentos e classes mais baixas de nossa sociedade.

Aqui temos de tudo: tem gente que acha que a pobreza é castigo divino e os outros acham que é carma. Nosso povo é estranho. Mas nossos políticos são bons: pagam contas de água e luz para os pobres em épocas de eleição, dão cachaça e cervejas, remédios e ranchos. A época das bondades se aproxima a passos largos.

Os pobres são a matéria-prima que move nossos políticos de todos os matizes ideológicos. A miséria, a pobreza e a fome, os adereços.  Entra eleição e sai eleição e os pobres continuam cada vez mais pobres, todos faturam com a miséria, inclusive a esquerda que finge combatê-la. Há fome em Santiago e depois que a justiça eleitoral proibiu os showmícios, circo estará mais pobre, sobrará apenas o pão.

O pão?

Sim, o pão. O pão - símbolo do cristianismo - encarna outras subjetividades. Sabe aquele moço que pede pão velho na calçada de nossa rua? Ele pode ser Jesus, testando a bondade de nossa sociedade e estudando os limites de nossa indecência. Sei lá, falam tanto em Jesus...até me agrada a idéia de pensar em Jesus.

Atenção, cuidado. O  mundo é cheio de armadilhas e muita coisa pode acontecer. Como aqui existe pouca solidariedade e todas as políticas públicas que acenam com a construção de uma vida mais digna são abominadas pelas elites, esse artigo tem apenas uma utilidade: reflexão. Reflita sobre a fome e na hora do almoço pense naquele que não tem alimentos em sua mesa.

Pense na farsa dos seus princípios religiosos e reflita sobre a ética que você diz ter dentro de si.

Pense no que você fez ou já faz para abrandar a fome dos seus irmãos ali da vila. Alguém aqui é capaz de pensar nos pobres das vilas fora do período eleitoral? Alguém aqui é capaz de não ver os pobres como massa de manobra para os interesses partidários? Alguém aqui é capaz de - uma vez - concordar comigo: existe fome em Santiago!