sexta-feira, 30 de abril de 2010

Impressões de um gaúcho no norte


O Estado do AMAPÁ é uma bomba só, convivem num mesmo espaço físico atividades românticas e ingênuas, regadas a suco de taperebá e pratos de catacá, com a presença estrangeira altamente sofisticada em busca de minérios radioativos.

O subsolo amapaense é o mais rico do Brasil em minérios, aqui estão boa parte das reservas de urânio do Brasil, elemento imprescindível para a fabricação da bomba atômica e por isso mesmo alvo da cobiça de diversos países do Oriente Médio, que contratam técnicos, estudiosos e fomentam, de certa forma, garimpos clandestinos. Entretanto, a riqueza do subsolo e outros minérios radioativos potentes, abundantes da região, como a torianita, uranenita e a tantalita, inserem-me modernamente num contexto de busca nuclear.

O nióbio, por exemplo, agregado ao tântalo, da tantalita, é usado em platinas revestidoras de caldeiras atômicas. (Apenas para a compreensão dos leitores, nióbio é aquela substância preta que vai no bico dos aviões). Ademais, o nióbio é muito próximo da composição do ouro, usado como condutor em equipamentos eletrônicos.

Diversos países europeus, com pesquisas avançadas em aceleradores de partículas, estão buscando estoques de tório no subsolo amapaense.

Aqui a gente andando pelos hotéis e bares locais sempre se defronta com estudiosos, técnicos e pesquisadores europeus, especialmente franceses e holandeses. Aliás, a situação é curiosa quando envolve a França.

Aqui tudo é meio afrancesado. A segunda língua no Amapá é o francês. Os produtos, por exemplo, no artesanato local, aparecem com em português e em francês. A presença da França é ostensiva. Os franceses estão misturados com os brasileiros. Longe das babaquices da rede Globo, que insinua que eles querem é sexo, a questão é muito mais profunda, muito mais séria.

Daniele Miterrand, então primeira-dama francesa, veio pessoalmente a Macapá inaugurar o centro cultural de língua francesa no Estado. Estive no local e um espaço fantástico, um quarteirão inteiro, existem cursos de francês gratuitos, doação gratuita de DVDs e CDs em música francesa, livros franceses, da mesma forma. Aliás, vi na TV local um deputado do DEM anunciando seu projeto instituindo o francês gratuito em toda a rede pública estadual. Garçons, garçonetes, atendentes de portaria de hotéis, frentista, quase todos falam francês.

Agora, tudo vai ser ainda mais ampliado. Está sendo construída uma fantástica rodovia (andei nela) ligando Macapá ao Oiapoque e sobre o rio Oiapoque uma ponte internacional (deve ter uns 400 metros) ligando o Brasil a Guiana Francesa, cuja capital é Caiena. Os amapaenses sonham com um grande porto aberto ou uma nova zona franca. Na verdade, o canal para a Europa está aberto através do Porto de Degrad des Cannes (em português degrau das Canas) que é por onde embarcavam a cana de açúcar para a Europa.

Assim, com o término dessa ponte e dessa mirabolante rodovia ligando Macapá ao Oiapoque, estará consolidada a presença e o domínio da França em território nacional e, especialmente, sobre a Amazônia. Olhando de fora, sustento que incrível a estratégia francesa no AMAPÁ.

Aliás, outro dia, eu e a Eliziane fomos pesquisar os currículos dos professores de Biologia da Universidade Federal do AMAPÁ. É chocante, para nós gaúchos, ver a titulação de Biólogos de um Estado que nós imaginamos ser fraco academicamente. São todos PHDs, formados por universidades européias, uma titulação que deixa a nossa UFSM envergonhada.

Eu estive na região do Oiapoque, fui ver de perto o Parque de Tumucumaque; é assombroso o que acontece na região; ninguém sabe quem são e nem o que fazem tantos jovens cientistas e pesquisadores no AMAPÁ. Não existe nenhum tipo de controle, é tudo aberto, é uma terra sem lei. O Amapá é o único Estado brasileiro que não tem acesso por terra, acesso aqui só pelo ar e por água. Os franceses e holandeses vêm em vôos diretos para a Guiana ou Suriname e encontram um território livre no Brasil...geralmente loiros, de pele clara, gastam em euros e são recebidos sempre de braços abertos.

A Holanda está investindo pesado no Suriname, que se tornou independente. Mas – recentemente – no início da década, o país europeu passou a investir pesado no Suriname, inclusive, oferecendo benefícios previdenciários, salários em euro, assistência médica e adontológica, opção de cidadania dupla, passaporte europeu, essas coisas. Mas não é por bondade esse volta à velha colônia. A questão é estratégica e política, embora geopoliticamente a Guiana Francesa leve uma vantagem astronômica.

Eu estive com alguns políticos locais e conversei longamente, nesses dias, com o pessoal do PSB, que já governou o Estado. Eles não vêem com maus olhos essa aproximação com a França, eles apostam que existe um espaço no mercado europeu, especialmente para a produção local...palmito, por exemplo. É claro, faz sentido, a rota aérea do Caiena ou do Oiapoque é um pulinho e mesmo a rota naval de acesso a Europa é muito mais prática pela região.

Sei lá, descobri uma outra realidade, quero crer, o ouro e o manganês já não sejam tão cobiçados quanto o urânio, nióbio, tântalo e o tório. Conversei longamente com um amigo do sul, que atua na SUFRAMA, aqui em Macapá e ele me contou historias horripilantes que envolvem os garimpos modernos. Quero crer que a velha concepção garimpeira está obsoleta.

Embora ninguém diga, ninguém assuma, existe amplo contrabando de minérios radioativos para programas nucleares paralelos e navios carregados de tório e nióbio valeriam fortunas astronômicas. O Irã seria o principal comprador desses minérios e a Venezuela seria o point latinoamericano de depósitos e armazenagens desses produtos, usados para fins nucleares.

Ademais, Eike Batista é o maior investidar no Macapá e o maior doador de campanhas. Os políticos comem em suas mãos...mas ele virou rei do Amapá porque começou áreas imensas para explorar reservas. Não sem razão é a maior fortuna do Brasil.

Macapá é totalmente banhada pelo Rio Amazonas e a única capital brasileira cortada pela linha do Equador. Estive no Marco Zero do Equador e vivi a sensação de estar com um pé em cada hemisfério. Também é aqui mesmo que ocorre o fenômeno do equinócio. É um ponto turístico fantástico, Quando estive lá, na tarde de segunda-feira, encontrei-me com um engenheiro do Paraná que está a serviço de mineradora, a Angloamérica, e com eles estavam geólogos franceses, dois, e uma engenheira de minas, belga, doutorada em minérios. Estavam tirando fotos no Marco Zero. Como eu sou inconfundível pela minha pele branca, sou facilmente confundido com os europeus...ai explico que sou gaúcho. De certa forma, minha sorte é que eu falo francês e acabei me dando bem...só com o gauchês é um caos.

Curioso, ademais, é como tudo gravita em torno do rio amazonas. O centro comercial, poder judiciário, governo do estado, loja maçônica, comércio ... é tudo a poucas quadras do Rio Amazonas.

A noite, num grande ginasião aberto, pequenas tendinhas vendem pratos típicos. Friso, chama a atenção de nós, do sul, os preços praticados por aqui...aqueles pratões, ainda com sucos, custam em torno de 3, 4, 5 reais...a comida aqui é baratíssima.

Nesse ginasião eles servem Vatapá (camarão), naniçoba, tacacá (que é servido numa cuia) que é camarão cozido, pato no tucupi, camarão no bafo...quem gosta de camarão aqui faz a festa, o preço é lá embaixo (as crianças vendem pacotes de camarão cozido a um real). Eu almoço todos os dias no Restaurante do Goiano...é aquela fartura de peixes, eu sirvo só dourado, com palmito e batata frita...meu prato varia entre 4.50 e 5 reais. É quase inacreditável.

Carne vermelha, só de búfalo, aqui estão as grandes criações. Uma carne boa, muito macia, nada que se compare com as carnes duras de nossas churrascarias gaúchas.

Os sucos, por outro lado, dominam tudo...existe pouco espaço para refris, exceto o guaraná da amazônia, o tuchaua. Ademais, aqui dominam os sucos de taperebá (que é o cajá com outro nome), acerola, maracujá (em abundancia), caju, cupuaçu, graviola e uma variedade imensa...cada gosto estranho...e eles misturam com ovos, com leite. Fica tudo meio estranho.

Macapá é uma cidade que lembra, em tamanho e população, Santa Maria. Tem uns 250 mil habitantes. Mas é tudo muito diferente da nossa cultura. O habitante nativo da região norte, aos nossos olhos, também é inconfundível, são morenos, muitos descendentes afros, estatura baixa e média, são pessoas amáveis, dóceis, bondosas e desprovidas da maldade sulina. É uma cultura muito diferente mesmo, não existe machismo, predomina uma liberdade sexual extremada, herança dócil dos índios e nativos, tudo sem muito pudores. O Murilo, esse meu amigo sulista que atua na SUFRAMA, brincou comigo me definindo a questão sexual local: aqui tu conhece, transa, e depois leva para jantar ou ao cinema, é o contrário do sul, onde a gente antes leva para jantar ou ao cinema.

Bem no meio da cidade impera o majestoso TEATRO FEDERAL DO AMAPÁ, Teatro das Bacabeiras, um teatro que ocupa um quarteirão, quase o dobro do nosso teatro São Pedro, e a programação é aberta, desde filmes, apresentação de peças teatrais, grupos de danças folclóricas...o que eu notei é que o povão é perfeitamente integrado as atividades culturais, muito diferente de Porto Alegre, por exemplo, onde o teatro é bem elitizado.

Outra coisa que chama muito a atenção são os comércios de comidas, as pessoas se instalam com panelas nas ruas e vão vendendo pratos típicos ali mesmo. E as frituras dominam tudo, a cidade exala cheiro de banha de peixe usada nas frituras de peixes, macacheiras e batatas...não existe aqui a cultura do xis e do cachorro-quente.

As ruas são muito sujas, as calçadas totalmente disformes, sujas, uma loucura total...o Gildo ia enlouquecer aqui com a falta de planejamento ambiental e urbano. Os ônibus também são imundos e os motoristas dirigem perigosamente, parecem condutores de manadas. Mas os professores do Estado ganham super-bem, com um salário médio de 4 mil reais por 40 horas.

O AMAPÁ tem uma poderosa universidade federal, uma moderna e suntuosa universidade estadual (encontrei um gaúcho da federal de Pelotas que dá aulas de filosofia na estadual), o Gerson Schutz, que também é blogueiro. A universidade estadual oferece 11 cursos e oferece 50 vagas por curso, por semestre. A abundância de oferta de vagas em universidades públicas é o grande diferencial do Estado...quase todos estudam em universidades públicas. E agora, a partir de 2011, o IFET estará aí, com campus em Laranjal do Jarí e Macapá, ampliando ainda mais essa oferta (esse é o concurso que estou fazendo) e com uma segunda etapa de implantação prevista para 2012.

O movimento da economia vive em função da folha do estado e tudo depende do funcionalismo, até o movimento dos bares, restaurantes e similares. As pessoas, de um modo em geral, são pobres, existe uma classe média mediana e uma elite fortíssima, poderosa, com camionetões, carrões luxuosos, filhos estudando na europa...a imprensa aqui, parece Santiago, cada partido tem o seu jornal e a sua rádio e sua TV, aí nenhuma novidade. Também, a exemplo de Santiago, são muitos blogs, e o blog mais poderoso é da Luciana Capiberibe, filha do ex-governador e ex-senador socialista João Capiberibe. Ela agita a cidade e o blog dela é leitura obrigatória no início do dia...ela ta sempre largando uma bomba e outra, passa sendo processada, mas, enfim, parece que ela teve aulas na nossa cidade. www.lucianacapiberibe.com.br

Ademais, destaca-se muito na cidade, também, a FORTALEZA DE SÃO JOSÉ DO MACAPA, inaugurada em 1782, as margens do Rio Amazonas, e até hoje em perfeito estado de conservação, inclusive com os canhões...estive lá, é bem no centro da cidade, um lugar mágico. E o Trapiche Eliezer Levy é um cenário de rara beleza, um trenzinho conduz em direção ao rio amazonas, o maior rio do mundo.

Aliás, basta uma parada de meia hora no trapiche e a gente vê a grande movimentação de barcos pesqueiros, barcos de passageiros, grandes navios...

O estado tem ao todo 16 municípios, cada qual um reduto político das famílias que controlam a política local. O atual governador é do, Valdez Góes, PDT, mas licenciou-se para disputar uma vaga no senado, deixando seu vice no cargo, o Pedro Paulo, do PP. Aliás, o PP é fortíssimo aqui.

Outra facção da política local é controlada pelo PSDB, senador Papaleo Paes. A ala peemedebista é Dilma e é controlado pelo senador Gilvam Borges, que armou a cassação do João Capiberibe, socialista.

Volto mais tarde, com mais relatos, apenas lembrando que aqui se fala tu, e não vocÊ, sendo nisso o povo parecido conosco.

(escrito direto e sem revisão).