terça-feira, 22 de junho de 2010

Vida e sonho em Santiago



Na introdução do meu livro PAMPA EM PROGRESSO, início do ano de 2006, fiz uma revelação: a de que produziria um romance. Para cumprir a promessa e dar vazão ao sonho, trabalhei silenciosamente; fui fazendo tudo ao modo, desde a concepção, aspectos do roteiro, introdução, capítulos...Na verdade, no distante ano de 1987, produzi um romance intitulado REBECA; só que guardei-o, sentia-me imaturo, inseguro, e também porque percebia que tinha muita coisa pela frente. Analisava-me e não aceitava aquele traço fortemente panfletário dos personagens, via pobreza na construção das situações fáticas, vivia fortemente a influência da psicanálise que me provocava uma ruptura com o marxismo ortodoxo. Por outro lado, mesmo sem conhecer Harold Bloom, sonhava alguma coisa com a cabala, embora não um método dessa com a dialética, como a que ele chegou. Pensava numa construção mais mecânica, mais lógica, embora eu próprio, por alguma razão da minha alma, não visse beleza, plasticidade, poética, no mecanicismo o qual era herdeiro de minha formação juvenil dentro do marxismo ortodoxo stalinista.

As coisas não fechavam: cabala e o antissemitismo dos manuais stalinistas. Durante muitos anos sofri tentando entender essa contradição, sem perceber que se tratava de um vício, de uma deformação histórica e não contradição, tal qual eu concebia em minha cabeça em formação. É claro, sempre vi a lógica como a matéria propedêutica da metafísica, e também sempre entendi a lógica assentada em princípios evidenciados em si mesmos. A contradição: uma coisa pode ser ou não ser, ao mesmo tempo. Essa foi minha escravidão, tentando cristão e ateu, cabala e marxismo, judaísmo e esquerdista e passei essa tentativa sincrética, sem nenhuma justificativa aparente para a vida de Rebeca, a personagem central do romance imaturo que tentava criar aos 27 anos.

Desisti de muita coisa, mas não de construir um romance com personagens que encarnassem sínteses absurdas entre a razão e o niilismo. Por alguma razão, da mesma forma, a tragédia me perseguia, e curtia-a intensamente, dando vazão ao eu-trágico dos personagens. Ainda não consegui me despir do vício camusiano de ver sempre um desfecho absurdo para as coisas da vida e a própria vida.

Hoje, coloquei um colchão no chão, usei o lençol térmico para abrandar o frio, coloquei meu pala sobre o colchão, sai de minha mesa e levei o note-book ao chão, deitei a Nina ao meu lado, e fiquei revirando, revirando, revirando e revirando na construção do meu romance, esse romance que começou em 1987 e foi desconstruído várias e várias vezes e agora parece - finalmente - ganhar forma (para não falar em vida).

É parte de um sonho da minha vida. Talvez eu queira seguir o mesmo panfletário que sempre fui, só fazendo um panfleto diferente, jogando para a discussão aspectos que tendemos a rejeitar pela lógica das visões de nossas vidas. Por que temos que ser assim e por que não podemos ser assado, por que somos educados a raciocinar somente em cima dos juízos de nossa formação e por que todos os sistemas superestruturais, principalmente o jurídico, apenas julgam e enquadram dentro dessa herança tão limitada quanto mecânica?


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NOTA DO BLOG
Li sobre a clonagem do blog do Rafael Nemitz. Não podemos aceitar práticas que impeçam a manifestação de expressão, seja de quem for. Independente da troca de idéias, divergentes ou não, nessa hora toda a blogosfera local deve repudiar esse tipo de prática. Eu já fui vítima disso e sei pelo que passei.