Assunto altamente incendiário em Santiago é a tal Cultura. A todo momento surgem grupos tentando apossar-se dela, todos querem ser “donos” e cada qual sonha em aprisionar a cultura local, fazendo dela o filet dos seus caprichos pessoais.
Para começar esse histérico debate urge que se balizem, preliminarmente, algumas definições, pois – para muitos – erroneamente, cultura é sinônimo de conhecimento, para outros – ainda – grassa uma confusão com arte; falam em cultura erudita, cultura popular ... E sou um homem convencido que Santiago alimenta-se de chavões, de epítetos. Aqui o bordão vale mais que a essência dos fatos. E nem estou falando no messianismo que abunda em nosso meio, pois sempre surgem grupos supostamente donos da Verdade, pugnando por novas construções, como se estivessem inventando tudo e descobrindo a roda, num verdadeiro desprezo ao passado. O bordão máximo do messiamismo é à He Man, eu tenho a força, tudo começa comigo, nada existiu antes de mim.
Como o aporema me satisfaz mais que qualquer outra coisa, vou iniciar sustentando que nossa ignorância começa por estabelecermos as premissas da Arte como Cultura. Não é de hoje que não temos uma política cultural para o município, temos pequenos incentivos a Arte.
É claro que esse balizamento é importante para entendermos o que é Arte, pois o entendimento atual do que seja Arte abocanha – inclusive – a arquitetura, para orgasmos das guriazinhas do curso e pavor dos que não sabem a diferença entre restauração e reforma.
As manifestações poéticas locais são...Artes. O Teatro local é arte. Aliás, um livro que todo o político e metido santiaguense deveria ler é “A NECESSIDADE DA ARTE”, de Ernest Fischer. Urge entendermos o que é arte para não a apresentarmos como sinônimo de cultura, embora, como salientei lá no começo, o aporema dialético vá mostrar a estreita relação entre um e outro, entre arte e cultura.
Pintura, dança, escultura, teatro, música, arquitetura, desenho, poesia, literatura, cinema, fotografia...tudo isso é arte.
Cultura, Data Vênia, quase confunde-se com o conceito de civilização, tal é o enlace entre um e outro, embora, Abbagnano, nos dê uma definição conceitual tão clara: “cultura é o conjunto dos modos de vida criados, adquiridos e transmitidos de uma geração para outra, entre os membros de uma determinada sociedade”.
E segue: “Cultura não é a formação do indivíduo em sua humanidade...mas é a formação coletiva e anônima de um grupo social nas instituições que o definem”.
A rigor, eu nem precisaria ter-me amparado em Abbagnano para explicar o que deveria ser uma obviedade: qual seja, que Arte é uma coisa e cultura outra coisa.
Dentro desse enfoque, o melhor seria é que Santiago tivesse um Departamento de Artes na Prefeitura Municipal. Não temos uma política cultural. Historicamente, achamos que o incentivo a certas manifestações de Artes é o incentivo a cultura. Nada mais errado. Esse fomento desvairado ao Teatro e essa discussão estéril sobre literatura e poesia na Terra dos supostos poetas, não passa de uma discussão artística. Falta aos poderes públicos, enquanto entes catalizadores, entenderem que as legítimas manifestações culturais de Santiago e região estão totalmente desprezadas.
Ainda ontem, a Marta Marchiori mostrava-me centenas de fotos ali das 4 bocas, dias atrás. Famílias reunidas em torno de uma castração de touros, testículos sendo assados na brasa, moças em tiro de laço, a bombacha, o barbicacho, o chapéu de couro, o lenço, o laço trançado, o serigote e o basto, o bacheiro, a marca, a trempe, o fogo de chão, a cambona, a guaiaca, as mangueiras, os pelegos...isso sim é uma autêntica manifestação cultual do nosso povo e da nossa gente. Assim como: os galpões, os piquetes tradicionalistas e todos os valores envoltos dessa cultura, inclusive a arte musical gaúcha.
A maior manifestação cultural do nosso povo é o tradicionalismo e quem não vê isso está fadado a ser engolido pela força emergente da autonomia das pessoas, que estão passando por cima do setor público, que não consegue entrelaçar-se com as manifestações populares.
Embora em menor expressão de manifestação cultural, as festas juninas, as fogueiras, os pinhões, a batata assada na brasa, as quadrilhas, o pau de sebo..., também deveriam receber especial fomento.
Escrevo sobre o que vi, ao longo dos anos, em minha cidade, e notei uma tentativa vil de impor valores artísticos alheios a nossa realidade e falo, da mesma forma, de não termos uma leitura ou uma crítica que seja sobre esses devaneios, que acabam sendo institucionalizados.
E o que fizemos com as danças típicas do Rio Grande do Sul? Eu nunca vi o poder público local organizar um concurso de gaiteiros, mas vejo todos os anos uma histeria atrás do teatro, uma forçassão de barra!!! Eu não sou contra Sófocles, muito antes pelo contrário, todos conhecem meus ensaios sobre Antígona, mas muito mais importante para um contexto regional é a valorização da nossa cultura, através da nossa arte, pois a dança da boleadeira e o vaneirão, os testítulos de touros na brasa e a batata assada nas fogueiras, não são menos importante que o teatro de sombras chinês ou que as medíocres interpretações que tentamos fazer da tragédia grega, querendo apenas ser elitistas e diferentes.
Eu conheci o Caio Abreu em vida, não era seu amigo, mas era seu conhecido. Caio odiava Santiago e a expressão “passo da guanxuma” era uma manifestação de ódio, Caio não suportava Santiago...tanto que pediu para ser enterrado bem longe daqui. Acho louvável que os jovens gostem dele e venerem sua obra, mas, transformá-lo em ícone oficial, sei lá...Conhecimento é cultura, agora SABEDORIA é a arte e Caio sabia disso. Mas será que todos sabem disso?
Tem coisas em Santiago que eu, decididamente, não entendo. Como aqui tudo é sem pé e sem cabeça, acabei entrando ritmo, afinal sou santiaguense e como tal...estou sintonizado, sincronizado, improvisado...