terça-feira, 31 de agosto de 2010

Títulos de Cidadania e Benemerência. Preconceito, atraso e uma inconstitucionalidade que não foi recepcionada pela Constituição Cidadã de 1988

É do ser humano aceitar ou não as convenções, sejam elas sociais, legais ou meramente consuetudinadas. No tempo dos escravos, os donos de pobres negros usavam o famoso direito adquirido, líquido e certo, e o ato jurídico perfeito para justificarem à escravidão. O Direito, aliás, justifica até o injustificável, mas eu fico com minha consiciência de Antígona, lei é lei e moral é moral. Nem tudo que é legal é moral.

Eu estudei sobre o comércio de  patentes de coronéis e capitães. Naquela época se compravam títulos, capitães, coronéis e viviam fingindo...como se fossem. O que importava era o título. Não é muito diferente de hoje; acham que comprar prêmios substituiu a real qualidade de um produto. Aparência é aparência, adoro Hegel e por isso mesmo sei diferenciar a aparência da assência.

Esses títulos de cidadania que os vereadores dão, uma vez por ano, a uma só pessoa, é algo altamente preconceituoso, injusto, discriminatório e eleiçoeiro. Jamais um pobre anônimo que não seja apadrinhado de um vereador receberá um título de cidadania santiaguense. Pode ser a melhor e mais justa pessoa do mundo. Pode ser a pessoa mais dedicada a íntegra dentro de Santiago, se não cair nas graças de um parlamentar, jamais será cidadã dessa bela cidade, eis que está condenada a viver eternamente como meteca .

Esses títulos criam três tipos de cidadãos dentro de um mesmo espaço físico. O agraciado,  o nato e o infeliz do discriminado. Eu não tenho a menor dúvida que esse expediente contemplativo, partindo de um poder legitimamente constituído, é vivamente inconstitucional. Onde é que se viu concessão de título de cidadania? A Constituição Cidadã de 1988 é rasgada cada vez que pratica um ato absurdo desses.

Eu não penso nos agraciados. Eles não tem nada a ver com a história. Mas penso nas milhares de pessoas que vivem dentro de Santiago, que, sem serem nascidas aqui, aqui constituem suas famílias, formam seus lares, pagam seus impostos, exercem sua cidadania, mas - repito - não são considerados cidadãos santiaguenses.

E vira-e-mexe esses títulos não tem critérios. Os vereadores dão títulos pela cabeça deles, e geralmente, o dão para pessoas importantes, ricos, de famílias influentes...bons cabos eleitorais. Nunca vi um pobre de vila ganhar um título desses.

Eu sei que todo mundo ganha com essa distribuição de títulos. A imprensa ganha anúncios institucionais e por isso mesmo todo mundo finge que é tudo muito bonito. Os vereadores botam seus ternos sociais, até o comércio de flores e água mineral é aquecido. Aqueles pensamentos bíblicos do Cid Moreira levam todos à presença de Deus, as caixas de sons, fanhas, tocam o hino nacional, todos olham para as bandeiras, fé e cidadania misturam-se num único sentimento...rolam-se lágrimas.

E o desse ano, com a benemérita Yeda entre os presentes, vai ser uma guerra a composição da mesa. O Diretor da URI, o diretor do hospital, o diretor do asilo, o diretor do União Futebol Clube, o juiz, o promotor e o delegado de políticia, o presidente da OAB, o presidente do CREA, o presidente do Jockei Clube, o prefeito, o representante do general, o comandante da BM, o comandante dos bombeiros, têm critérios de precedência?

Eu vivo defendendo o nosso parlamento. Agora, ninguém me tira da cabeça que essa concessão de títulos de cidadania é uma discriminação só, inclusive, constitucional.

(Mas eu vivo passando por idiota. Outro dia falei que uma pessoa era inabilitada para dirigir um carro da câmara, só que eu não me referia a habilitação profissional (alô), me referia a um decreto feito pelo procurador Rodrigo Vontobel que restringiu tal uso somente aos vereadores). Agora, antes de torcerem a cara para mim, consultem alguém muito bom em direito constitucional (não esses institutozinhos pagos para dizerem o que os vereadores querem ouvir).

Essa concessão de títulos de cidadania fere a Constituição Federal de 1988 e essa lei municipal que permitia tal aberração não foi recepcionada.

Recepção não é portaria. Alô.

Mas, afinal, esse é o nosso paradoxo jurídico. Temos 3 categorias de santiaguenses: 1 - o nato, 2 - os metecos sem concessão de cidadania pelo parlamento e 3 - os santiaguenses por concessão de título de cidadania pelo parlamento municipal. Que discriminação odiosa; complexa, pois é tudo regado com recursos públicos.

Indicar a Yeda, sei lá, faz parte do jogo. Se eu fosse o Diniz indicaria o Lula de uma vez ou Carla Bruni....afinal é tudo de mentirinha mesmo.