Cada um de nos, num dado momento de nossas vidas, planeja seus sonhos, arquiteta seus desejos. Muitos, sonham sonhos impossíveis, outros, não ousam sonhar; alguns, correm atrás.
Durante muitos anos, não soube ao certo o que queria da vida, tinha angústias, inquietações, incertezas ... Porém, aos poucos, fui encontrando um caminho, um rumo, uma direção.
A primeira vez que conversei com Jairo Bisol (filho do ex-senador Bisol) senti-me frustrado por não acompanhá-lo numa discussão sobre Hegel. Notei, aos 23 anos, que eu era mal formado, conhecia alguma coisa de Marx, algumas coisas de Feuerbach, mas não conhecia Hegel.
Talvez aí, com 23 anos, eu estivesse descobrindo meu grande sonho, minha grande ambição. Comprei a pequena enciclopédia hegeliana e aceitei um sugestão do livro, Bolívar (esposo da Jussara Cony) e comprei também “Conheça Hegel”, de Roger Garaudy.
Fiquei mais ou menos 3 meses lendo e anotando tudo sobre Hegel.
E meus sonhos foram se ampliando. Queria saber e entender tudo o que me era possível de filosofia, comprava livros, dicionários, resumos...insatisfeito, também quis entender sobre sociologia, sobre ciência política, sobre antropologia, sobre psicanálise e anti-psiquiatria, e assim fui indo, ano após ano, avançando na compra de livros, no entendimento de pensamentos, nos resumos e anotações que fazia, nos grupos de discussões que participava.
Nada mais me interessava, exceto comprar livros e ler. Faculdade (e seus esquemas) se afastava cada vez mais dos meus sonhos. Ademais, tive a rara chance de integrar-me num grupo de jovens que eram sérios, que estudavam e que se interessavam pelas pesquisas.
Jairo Bisol era um grandíssimo curioso, estudava tudo avidamente. Hoje é procurador no DF.
Vladimir Lisboa Barreto, se formou em Direito na Unisinos, fez Mestrado e Doutorado na Universidade de Sorbonne e hoje coordena o IFCH da própria Unisinos.
Gerson Neves Peres, formou-se em Direito na Unisinos e fez Mestrado e Doutorado em Filosofia, UFRGS e é professor universitário.
Moacir Leão, formou-se em Matemática pela Unisinos, começou a cursar filosofia na Unisinos, foi aprovado num concurso para Auditor Fiscal da Receita Federal e hoje padece de uma doença rara que não lhe permite se mover. Reputo que era o mais brilhante do grupo.
Alexandre Caburé, milionário exótico, apaixonado e curioso por todas as áreas do saber, cursou direito na PUC até o 6 ° semestre, nunca se formou. Era amigo de Moacir Leão antes de mim, depois se tornou meu grande amigo – o que é até hoje. Foi com ele que eu fui parar em São Paulo.
Adroaldo Diesel Filho, jornalista formado pela UFRGS, um dos maiores estudiosos do Vale dos Sinos, organizou e fundou um grupo de estudos no museu do trem, em São Leopoldo, onde participei durante anos.
É claro que pessoas passavam pelo nosso grupo. Quando Bisol elegeu-se senador, decidi ficar no RS e fui coordenar o departamento de imprensa da SEFAZ, conduzido pela mão de Moacir Leão, à época Fiscal no RS e pelo próprio Alexandre Caburé.
O curioso nisso tudo é que nesses 14 anos que morei em Porto Alegre, mais 2 em São Paulo, não tive oportunidade de conhecer cocaína, nem maconha, os grupos por onde andei sempre se interessavam por assuntos afins à filosofia, sociologia, direito...
Passei bem uns 13 anos só estudando, mas estudando mesmo, lendo tudo que me era possível. Um dia, decidi criar um currículo de uma faculdade livre e fui montando tudo...meu projeto era ousado e inviável.
Só mesmo a partir de 1992 foi que decidi começar estudar economia, nos mesmos esquemas, comprando livros, lendo, comprando dicionários...
Estudei hebreu, lia sobre religiões, li tudo sobre psicanálise, comprei uma coleção sobre Freud, foi lendo tudo e me integrando nos grupos de estudos de psicanálise da Unisinos e da UFRGS.
O mundo se tornou muito sombrio para mim. Eu tinha me tornado céptico ao extremo, minhas conclusões eram trágicas, tudo conduzia ao breu, havia um abismo a minha frente, a depressão me dominava, perdi a graça, a ilusão com a vida e Camus me levou definitivamente ao fundo do poço. Minha grande luta era – enfim – morrer. Com 36 anos eu não queria mais nada da vida, meus sonhos, minhas buscas, me levaram ao caos. Contraditoriamente, eu tinha conseguido tudo o que perseguia, eu era feliz e não queria mais viver, também não queria descobrir mais nada, meu interesse era apenas na morte, na estética dos cemitérios. Não sei se enlouqueci com razão ou se a razão me levou a loucura da desilusão.
Um dia, eu estava em São Paulo e o Alexandre bateu no Hotel Hothon, onde eu dormia. Queria que eu fosse para Brasília com ele e sugeriu-me um encontro com o Moacir Leão, na Receita Federal. Naquele dia disse a ele que estava voltando ao Rio Grande do Sul e que pretendia me matar. Para mim, nada mais valia a pena e viver estava se tornando um fardo pesado demais. Ele entendeu e me disse que era necessário coragem...mas – enfim – me entendeu. Ele seguiu para Brasília e eu voltei ao Estado. Era 1995.
Depressão, depressão, caos, caos, caos...só a morte me livraria do fardo da existência.
Aí eu descobri que queria ser um homem normal, ter uma casa, um gato, um consórcio, uma mulher e uma família. Queria acreditar em Deus, queria ser um evangélico, queria ter paz e esquecer tudo aquilo que eu tinha lido naqueles últimos 15 para 16 anos.
Era tarde demais. Impossível esquecer, impossível apagar, impossível voltar atrás.
Aí, comecei a fazer um novo balanço da minha tarde. Trágico balanço, houvera buscado e consegui o que buscara, só não sonhei que ia acabar num abismo.
Um dia, de volta a Santiago, o Júlio Garcia me disse para eu ir no Expresso, sugeriu-me conhecer o João, a Sandra...
Gostei do João, de todo o pessoal. Afinal, não tinha mais nada o que fazer, minha aparência era uma coisa e o que sentia por dentro ... sobre isso, só eu sabia.
Contei ao João que eu era marxista, botei o Vulmar nas nuvens, à época nosso prefeito. O João, receoso, me disse que o Saddan (ele chamava o Vulmar de Saddan) era perseguidor e que queria terminar com o Jornal. O Expresso, naquela época, era muito pequeno, era singelo até demais.
Propus, então, ao João que me autorizasse a conversar com o Vulmar e sua equipe. Fui até a Prefeitura, quebrei a cara, Vulmar e os seus achavam que o Expresso era do Valdir, isso e aquilo. Ponderei que ele estava louco, disse-lhe que era apenas investir alguma coisa em nós,que ninguém queria briga, que o João e a Sandra queriam apenas participar, ter o espaço deles...
Vulmar e os seus foram radicais e intransigentes.
Não era aquela a oposição que eu queria para minha cidade.
Comecei a ter um sentido na vida...brigar, brigar é tudo o que está no meu sangue.
3.30 da manhã de uma quarta-feira semi-chuvosa, convidei o JOÃO LEMES para comermos 2 xis num trailer ali na Bento Gonçalvez, uma quadra depois do posto do Neri. Era 1996.
Ali, conspirei pela primeira vez. Propus ao João que só tínhamos uma saída, era vencer ou vencer e isso implicava em derrubar todo mundo (daquele pessoal) da Prefeitura. João me ouviu, céptico, não acredita em vitória do Toninho e achava Paulo Rosado mais forte.
Insisti que o caminho era o confronto direto e quem saísse vivo na outra ponta contaria a história. João não me disse nem sim e nem não, mas no outro dia, ao bater um oficial de justiça com uma representação contra ele, certamente mudou de idéia.
Eu estava bem, estava no meio do conflito, é só onde consigo me sentir bem, odeio a vida monótona, meu sangue tem uma coisa meio estranha, até hoje não entendi, mas se eu tiver uma briga das boas, eu fico bem...
O tempo passou.
Muitos anos se passaram. A depressão foi e voltou, a morte seguiu meus passos...foi e veio. Fases foram e fases vieram.
Mesmo que tenha feito tudo errado em minha vida, não sou de me arrepender, raramente arrependo-me de algo. Esse ano de 2010 fiz tudo errado, mas faço dos erros um substrato de paixão e vou em frente.
A vida anda para frente. Agora, com a Lizi e a Nina, mais para a frente ainda. Tenho estado triste com muitas coisas, mas não caí em depressão. Só que meu estranho sangue está fervendo em minhas veias outra vez, gosto de desafios homéricos e desses que parecem impossíveis.
Preciso de uma causa.
Dias atrás, no curso da eleição, um ex-amigo, esteve aqui em minha casa. Era madrugada, veio com 2 garrafas de vinho Santa Helena e definiu-me muito bem, no auge de uma crise de sinceridade: - tu sabe que tu é maldito.
Essa pessoa é hoje um símbolo muito forte dentro de nossa sociedade. Espero que ele tenha razão. Os malditos e a maldição do fatalismo, já propugnados por Roger Garaudy, tem uma magia - inexplicável a luz da razão - pois - segundo o filósofo: "A maldição do fatalismo reside no fato de que basta acreditar nele para que ele se torne real”.
Eu sou fatalista e tudo o que eu acredito se torna real.
Em Santiago, sou tratado como se eu tivesse lepra, trata-se de uma lepra social, as portas são fechadas para mim e para a minha família. Mas - exatamente - por ser maldito, é que as pessoas me leem e procuram saber o que eu penso, o que eu digo e como eu me posiciono sobre os fatos em evidência em nossa sociedade.
Por ser maldito, o que eu digo vira sentença, mais dias ou menos dias. Por ser maldito, as pessoas me compreendem, muitos me odeiam, mas não vivem sem ler o que eu escrevo. Até que diz que não me lê, me lê. Meu blog é uma referência de ódio, de amor, de contraponto e até de luz.
A interação da maldição local dependia da minha luz, da minha razão e da minha loucura. Não em vão, 9 horas da manhã, mais de 500 pessoas já buscaram o que eu tinha para aquele dia. E vem sendo assim, todos os dias, ao longo de 8 anos, sempre fiz minha parte, sempre interagi, sempre entendi, sempre semeei, sempre instiguei, incitei reflexões, contribui com o debate, sei bem o ônus de ter posição, assisto ao meu assassinato simbólico todos os dias, agora, até o da Eliziane. Mas - por ser maldito - sou construtor e também demolidor. Sei construir e sei destruir, por ser maldito, não me importo em destruir, especialmente quando descubro coisas que mexem com minhas veias e fazem meu sangue ferver. Meus erros, o que eu fiz de errado em 2010, já estão no passado, sepultados, a vida para mim segue em frente e eis que estou vendo luzes, feliz, luzes...


