Esse confronto na Líbia, especialmente após a decisão do Conselho de Segurança da ONU, e os posteriores ataques das potências ocidentais contra Kadaffi, tem sido motivo de desconforto para muitas pessoas; e não são poucos os elementos que devem incidir nessa reflexão.
Em linhas mestras, tentarei sintetizar alguns juízos analíticos e opinativos em busca da formulação de alguns elementos reflexivos.
Kadaffi é um ditador da pior espécie, um tirano, um assassino, um bandido que apossou-se do seu Estado, sua legitimidade é altamente questionável, posto que governa com terror e mão de ferro. Ademais, suas construções discursivas servem apenas para engambelar, ideologicamente, enquanto fala em unidade árabe, coalizão imperialista, e joga com conceitos de ciência política que servem apenas para dar uma fechada de legitimidade às suas ações. Está no poder há 42 anos e pretendia delegar sua sucessão ao seu filho, nada diferente de uma monarquia e uma sucessão hereditária.
Pesa contra si, ademais, a traição que fez aos próprios grupos árabes e o jogo de conveniências e coabitação com quem dizia combater.
Foi surpreendido pela força das insurreições populares que atingiram o mundo árabe. Um povo cansado de viver sem opção de vida, sem dignidade e governado por uma cúpula, uma elite, que vive estravagantemente, faustosamente. Kadaffi tem apenas um discurso de esquerda para lhe legitimar no poder, mas age como a direita árabe.
Seu governo é contestado e existe uma oposição que lhe é violenta, um quadro muito diferente do Egito. Só que messiânico, não soube entender as contradições da sociedade Líbia e nem a exclusão que seu regime gerou. Então insurge-se contra seu próprio povo, usa o exército de guerra para assassinar os que contestam seu regime. Sua antipatia aumenta diante do seu povo e da comunidade internacional.
Na medida em que patrocina uma chacina em direção ao genocídio, chama a atenção do mundo por suas crueldades. O clamor logo correu pelas redes e foi formado um certo consenso nas potências ocidentais que acabaram expressando suas opiniões e vontades no conselho de segurança da ONU.
Como a Líbia é rica em petróleo, diferentemente do Haiti, as potencias ocidentais logo viram na ação dos rebeldes e no banditismo estatal de Kadaffi, uma oportunidade de intervenção internacional dentro de um pais, cuja soberania agora está sendo totalmente violada.
Surge então uma outra discussão: esse precedente de intervenção na Líbia tem um viés complicadíssimo, pois isso legitima outras intervenções, seja no Irã, no Afeganistão, seja na Venezuela, enfim, seja onde houver conflitos internos. Agora está escrachada a intervenção mais ampla. Chaves que se cuide.
De repente, Itália, França, Grã-Bretanha, Estado Unidos...estão com suas forças aéreas, navais e seu poderio bélico massacrando um governo que – rigor – tem autonomia e deveria solucionar seus problemas internos sem a intervenção externa. O precedente é que o xis da questão.
Todos, nesse contexto, ficamos observando os fatos e os desdobramentos. Muitos de nós não temos elementos críticos e nem dados concretos para uma análise mais profunda. Ficamos na superficialidade, até porque a questão é complexa e encerra em si mesma muitos outros desdobramentos. Por um lado, Kadaffi merece cair, de outro, não é com bombardeios e intervenções das potências internacionais que se acha uma mediação interna para um povo em conflito. De um lado, a intervenção é necessária, mas – de outro – não explicam a omissão que crassa quando se trata de um país pobre, comparada com a ação na Líbia, rica em petróleo. No Haiti, nada de intervenção, o Haiti tem vudu e não tem petróleo, aí ninguém da ONU estava defendendo intervenção internacional. Essa contradição é horrível.
Kadaffi não vai resistir ao bombardeio e a tecnologia bélica que estão jogando em cima do seu exército. Ainda deve matar muita gente, mas cairá. Talvez ainda seja julgado pelo Tribunal Penal Internacional, talvez seja morto...nessas alturas será difícil fugir. As mesmas potências que estão destruindo seus tanques e armamentos, venderão os mesmos (novos) tanques e os mesmos (novos) armamentos a quem colocarem no poder. É um cinismo sem precedentes. Destroem e depois até trocam por petróleo, se for o caso.
Nós ficamos na frente da TVs, nos sites e nas rádios. Apenas ouvindo e acreditando no que os analistas dizem e nas posições dos âncoras de TVs, geralmente todos direitistas e torcedores da coalizão que ganhou franquia da ONU para matar.