sexta-feira, 25 de março de 2011

Por que somos uma mistura de nau de insensatos com biruta de aeroporto?

Certa vez soube detalhes de um caso patético. Uma menininha de 4 anos, que viu o irmão assistindo ao filme Tropa de Elite, e, obviamente, assistiu a trechos, depois do acontecido, foi até seu quarto, ensacou a cabeça de sua boneca e passou a esbofeteá-la, tal e qual o filme mostrava.


Fiquei impressionado com o que li e o relato acendeu-me a luz de preocupação. Como um filme pode ser pernicioso na vida de uma criança? E até porque ainda mal estava curado de um outro relato assustador: a mãe de uma criança, de 3 anos, flagrou-a auto-beijando-se na boca, em frente ao espelho. A criança, após assistir uma cena de beijos de língua, na TV, decidiu, em sua inocência, imitar o que via na TV. As crianças são assim, tendem a imitar os adultos e nossa preocupação devia ser bem maior.

A TV, a família, a sociedade, a imprensa, as autoridades, somos todos responsáveis pelos bons ou maus exemplos passados as nossas crianças. Citei os dois exemplos acima para instar algumas reflexões sobre a ética familiar no seio da sociedade santiaguense. Impressiono-me com a facilidade com que pais e mães abandonam os filhos, assumem relações irresponsáveis, frágeis, movidas por um tênue desejo.

A sociedade santiaguense está doente e corrompida em seus valores morais mais preciosos. Os freios morais não existem mais e a liberação é geral. A desagregação é explícita e não estamos longe de סְדוֹם Sodom e עֲמוֹרָה Amorah e refiro-me a mais espetacular história de perversão sexual na história da humanidade.

Não sou um moralista, longe disso. Homens e mulheres são movidos a desejos e existe uma tendência pós-moderna muito forte no sentido de darmos vazão a tais instintos. E também ninguém deve ficar preso a ninguém, tendo terminado o amor. Muitas vezes, é melhor a separação, sim, ao invés de um casal ficar dentro de casa brigando e trocando ofensas. Nesses casos, a separação está no plano da aceitabilidade social e legal.

As sociedades pós-modernas, especialmente as de interior, afora a institucionalidade, têm suas regras de convívio, consuetudinadas por um conjunto de códigos morais. E são justamente esses códigos que explicam a aceitação de relações homoeróticas, entre outras. O nivelamento social tende a aceitar as diferenças, por exemplo, de uma relação entre dois homens, entre duas mulheres, entre homens mais velhos e mulheres mais novas e vice-versa, até relações entre pessoas de cores diversas, que, infelizmente, ainda são vítímas da intolerância e do preconceito. Mas em Santiago o nível da irresponsabilidade social e familiar está ganhando contornos dramáticos, à luz e à aquiescência das instâncias morais, que nada fazem, pois o conluio partidário e ideológico tem se sobreposto a preservação da família e da unidade dos filhos.

Não é necessário ser um cientista social para constatar que está instituído em nosso meio uma depravação sem precedentes, onde os " ícones" podem tudo, inclusive transgredir todas as regras de aceitabilidade social afetas aos filhos e filhas e ao establishment de toda a ordem social. Isso tudo terá conseqüências e mais dias menos dias, algum juízo moral vai pairar sobre a coletividade e todos seremos responsabilizados. Os perversos, vítimas de própria perversão, estão cegos já há muito tempo. Os omissos, que têm consciência que os casos mais notórios há muito transcenderam os limites da aceitabilidade social, serão responsabilizados pela omissão, pela complacência e pela covardia.Uma sociedade doente, sem códigos morais consistentes, com uma ética de botequim, onde a ausência de honra é o ponto alto, não tem como avançar além de seus envergonhados limites.

Assim estamos nós, uma mistura de nau de insensatos com biruta de aeroporto, uma sociedade refém dos impulsos de supostos líderes, que colocam seus instintos primários acima de qualquer ordem familiar ou social. Desagregação, caos, desestruturação e quando afloram as vaidades, os seres humanos, fracos, ficam a um passo da busca de consecução de seus ideais sejam pelos meios que forem e aí reside o germe da corrupção, da desordem e da ruptura com valores.

Quem não se lembra do caso Renan Calheiros? Ele é sintomático. É o exemplo de um homem, vislumbrado ante a beleza de uma mulher, tragado pela sedução, que misturou os limites entre o público e o privado, até para manter os sonhos de lascívia que sempre falam mais alto. Traído pelo desejo e corrompido pela flexibilização moral, permitiu-se trair a esposa, esquecer-se dos filhos, aceitar propinas e fazer negociatas. O homem é um ser integral e ninguém pode ser visto em partes. A conduta moral é uma só. Homens retos de caráter são retos com suas famílias, com seus amigos, com sua linguagem e com todas relações da vida, sejam elas públicas ou privadas. Quem vacila numa ponta, está a um passo de vacilar na outra.

Outro dia, trocando ásperos e-mails com um colega, soube de amigos que falam mal de mim. Foi bom ele me dizer aquilo. Mais uma vez refleti sobre o ser humano em partes, apresentando-se em fragmentos, dependendo do lugar, da ocasião, como se a personalidade e o caráter dependessem do lugar e da ocasião para revelarem-se.

A doença no tecido social vai continuar. Talvez, um dia, acordemos. Talvez, não. Afinal é melhor o papel de avestruzes e sua conhecida prática de enterrar a cebeça para nada ver.

Dói-me e revolta-me o cinismo social. Vejo pais, homens da elite, membros de lojas ..., que deixaram seus filhos abandonados no mundo, jogados a sorte, posto que são fruto de relações espúrias. Que tragédia ética para quem vocifera sobre ética. Que jogo cínico sem precedentes. Que conduta social mais podre. Eu sei muito bem o que estou falando e sobre quem estou escrevendo. Aliás, não é diferente do cinismo das clínicas de abortos em Santiago, não têm quem não saiba onde são, onde funcionam, quanto cobram e quem são seus titulares.

A nau dos insensatos era jogada ao mar, sem rumo. Os insensatos eram os indesejáveis sociais, tipo eu. A biruta de aeroporto, Santiago ainda tem a sua, muda de lado conforme o sabor dos ventos. Uma sociedade como a nossa, ao invés de cultivar regras morais rígidas, relativas à ética, à vergonha e è dignidade, cada dia que passa muda seu modo de pensar; depende da cabeça do diretor da novela, da maluquice de um ícone de música pop, das válvulas de escapes institucionais como o carnaval (Jaguari é exemplar nisso), ou os modismos que fazem à cabeça naquele momento social. Estamos num caos social.

A mim, resta o consolo de escrever. E a decisão de cada vez mais aprofundar-me no debate bachelariano sobre instâncias e juízos morais; não gostaria de legar a minha filha traços sociais de uma vida sem fundamentos morais.


E vamos indo, tomara que Sodoma não seja aqui.