domingo, 13 de março de 2011

Reflexões sobre a depressão

Nunca houve um debate tão avançado e tão massificado sobre a depressão como nos dias atuais. Poucas pessoas aqui em Santiago leram tanto o assunto quanto eu, até porque padeço de tais sintomas.

Depois de tanto ler e tanto estudar, sendo vitima de mim mesmo, a conclusão a quem cheguei é que existe um brutal erro em tratar todos os casos como se todos padecessem dos mesmos sintomas. Cada pessoa vive uma tragédia interior e só quem sabe quantificar seu próprio drama e a própria pessoa. Decorre daí, erros fantásticos, justamente pela falta de instrumentais teóricos para racionalizar o abismo individual. Cada ser apresenta-se diferenciado em seus dramas e o limite de compreensão desses dramas é afeto a capacidade de racionalizar e explicitar o que ocorre nos labirintos de uma mente.

Primeiro, tenho plena consciência que boa parte da ansiedade, do pânico e das incertezas que tenho, foram-me repassadas na gravidez de minha mãe. Geneticamente, tudo começou aí. Segundo, a difícil compreensão que tenho de Deus iniciou em quando eu era, ainda, criança. Sem saber que era filósofo, andava pelos campos tentando entender quem era Deus e o que era a morte. Quando morria uma pessoa próxima de mim, era um caos, ficava durante dias, até meses, impressionado. Ademais, as lembranças da pessoa morta quase não me saíam da memória.

Cresci eivado de conflitos, vivendo num mundo incerto e sem entender as origens do meu espírito questionador e que queria saber tudo. Mas como encontrar as respostas? Respostas complexas que envolviam a vida, a morte e a existência.

Pari passu a essas reflexões existenciais que sempre me assaltaram, meu pobre espírito adolescente queria respostas para a desigualdade social, para a miséria que via no bairro onde morava. Não conseguia fugir da análise sobre a desigualdade e a miséria, a fartura e a opulência evidenciada entre proprietários e não proprietários.

Não levou muito tempo, encontrei essas respostas no marxismo. Contudo, o marxismo, na medida em que me libertava de um lado – dando-me a compreensão social e econômica – escravizava-me de outro, pois a tênue fé e crença em Deus que, ainda, restava dentro de mim, foi totalmente assassinada.

Da transição entre o marxismo e a psicanálise, o ateísmo acentuou-se e na medida em que encontra as respostas mais aflitantes de minha vida, maior era o abismo em me enfiava.

Num dado momento da minha vida, percebi que era preciso dar volta às coisas simples, voltar a crer num padre, num pastor, num terreiro de umbanda ... mas já era tarde. A descrença era total. A angústia avolumou-se e a compreensão sobre o absurdo camusiano da vida, a lógica do ser, a falta de sonhos materiais e a ausência de razão para tocar o dia-a-dia, o avant sobre os fatos, a compreensão das relações, a lucidez, apenas matam o ser.

A conclusão a que cheguei é que as pessoas simples, os crentes de todos as crenças que vivem sem grandes teorias, sem grandes racionalizações e abstrações, esses são felizes, pois a felicidade é proporcional à alienação.

A alienação não tem nada a ver com estudos e nível de escolaridade. Existem mestres e doutores absolutamente alienados em suas crenças e dogmáticos em suas convicções. Via de regra, a alienação associa-se à pobreza material, embora essa tangencia à pobreza espiritual. O que para mim foi a liberdade do espírito, foi também a sepultura, pois a liberdade sempre implicou em conhecer e o conhecimento sempre implicou em saber e decifrar as coisas, mesmo as escondidas, embutidas nas formalidades dos discursos.

Gosto muito do Cassal e noto que ele é feliz. Gosto dos crentes que acreditam nas suas crenças. No fundo, queria ter uma causa e um sentido como ele. Só que não consigo. Não consigo crer em nada. Sou um abismo.

Pessoas como eu vivem deslocadas, embora o esforço para a normalidade. Sou um ser em desacordo com o meu tempo. Sou um escravo da depressão. Sei lá, dou a isso o nome de depressão, mas é uma reflexão muito profunda, muito doída.

Outro dia, cheguei na churrascaria para almoçar e vi duas crianças, descendentes de índios, deviam ter 3 ou 4 anos, parados na porta olhando a todos almoçarem. A cena impressionou-me e mais uma vez veio à tona toda a minha revolta e inquietação. Quando chegam os dias do ano novo e natal, páscoa, enterro dos ossos, onde todos refletem, não sei explicar a origem, não sei racionalizar, mas vivo momentos profundos de depressão e tristeza, uma tristeza muito profunda, doída, machucada, até o final de tarde parece cortar minha alma. Não existe explicação aparente e racional para isso.

A dor da alma, essa dor que a gente não sabe explicar, essa tristeza profunda, essa inquietação, essa é a pior das doenças. É uma doença indescritível, pateticamente sem sentido. Como sem sentido é a vida, o absurdo das desigualdades, às cenas que assisto todos os dias de um miserável senhor, velhinho esquálido puxando uma enorme carroça de lixo.

Aqui em Santiago, aparentemente, tudo tem sentido, até a morte. Só não tem sentido a lógica para os que não têm respostas acerca do mistério da vida, da alma, da morte e do destino dos nossos espíritos. As pessoas que não têm as respostas, como eu, vivem mergulhadas num abismo indescritível, tentando decifrar o caos da morte, buscando um sentido e questionando a razão de ser disso ou daquilo. Sem encontrar resposta alguma!!! O que é mais patético.