Ontem, dediquei o dia inteiro a uma boa leitura do livro “A identidade cultural na pós modernidade", de Stuart Hall. O autor sustenta que as velhas identidades estão em declínio e que surge um novo sujeito, fragmentado. É o indivíduo moderno em crise de identidade. É um livro pequeno, leitura mesmo são 90 páginas. Ademais, um livro agradável, uma boa tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Curiosamente, li e entendi rapidamente a proposta do autor e ouso dizer que concordo plenamente com sua análise. Está visível uma forte mudança estrutural na sociedade e esses deslocamentos geram crises de identidades culturais de classe, sexualidade, etnias, raça e nacionalidade. Afinal, sustenta o autor, antes as identidades eram mais fortes, sólidas e os indivíduos se encaixavam melhor socialmente. Hoje, com todas as mudanças pós-modernas, as fronteiras são menos definidas e isso acarreta fortes crises de identidades.
Meu dia de ontem foi agradável. Afora ler todo o livro de Hall, ajudei a Eliziane nos seus estudos da obra de Moacir Gadotti, História das Idéias Pedagógicas. Num dado momento a Eliziane veio até minha mesa de estudos e exclamou: “Amorzinho, eu to odiando esse Gadotti. Ele faz uma confusão, um pouco os progressistas são de esquerda e noutra ocasião os liberais são de esquerda”.
De cara percebi a origem da confusão conceitual que ela estava fazendo. Parei com tudo e pus-me a explicar, didaticamente, porque o autor usava o “conceito” liberal como sinônimo de esquerda e "progressista" com sinônimo de socialista. Gadotti referia-se a uma proposta pedagógica em 1934 e afirmava que o autor desse era avançando, moderno e liberal. É claro que era necessário situar o conceito “liberal” no tempo e no contexto, assim como a expressão "progressista". Durante muitos anos – especialmente no período de ditadura – a esquerda usava o conceito progressista, sim, como sinônimo de esquerda, de avançado, de moderno. A literatura produzida naquela época é eivada dessas anotações. A confusão ficou por conta do PP, que usurpou o termo “progressista”, num outro enfoque diverso daquele e instituiu uma verdadeira confusão, afinal um termo que conceituava todo um entendimento de esquerdismo foi arrancado de seu arcabouço e pinçado para uma sigla de um partido de direita que, em tese, de progressista/esquerda não tem nada.
Mas eu admiro a Eliziane porque ela busca, lê e analisa uma média de 10 livros por mês e é uma pessoa de uma identidade muito forte. É uma exceção no conjunto da geração dela, conquanto noto em outros jovens iguais a ela uma volubilidade imensa, uma inconstância homérica e um patrolamento da ética em nome da consecução de ideais mal traçados ou traçados no calor do empirismo. Eis porque entendi as razões de Stuart Hall e ao ensejo da leitura, adepto que sou da sociologia comparada, logo pus-me a traçar paralelos entre gerações.
Ontem à tarde, no WIZARD, encontrei o César Martins, Jornal A Razão. O César é um desses homens que admiro, honrado, ético e profundamente sério e sincero. Lembrou, contando para a Eliziane, que há 28 anos atrás trabalhamos junto no mesmo jornal em Santiago. O Jornal era do Edson Dornelles e eu não dei certo porque era muito esquerda e o Edson muito conservador.
Minha identidade com a imprensa é mesmo estranha ou complicada de se racionalizar. Criança, fui vendedor de jornais e depois de assinaturas. Trabalhei com o Edson e com o Galegaro. Em Porto Alegre, a despeito de eu ter estudado sociologia e direito, nunca deixei de ser o que eu nunca fui: jornalista. Paixão complicada, difícil de explicar. Talvez a genética, possivelmente a genética, o sangue como dizem os gaudérios, explique essa paixão, essa atração.
Eu gosto de Santiago. O mundo não me seduz, sou seduzido pela vida daqui e pelos amigos. Aos inimigos, sei lá, até duvido que tenha inimigos sérios, são pessoas que querem me derrubar, mas depois querem me oferecer a mão. Diria que são desafetos políticos. Algumas pessoas não gostam de mim, mas isso é absolutamente normal. Eu gosto de muitas pessoas, gosto do clima, da estética da cidade, da paisagem dos campos e da possibilidade de intervir na realidade.
Salvo melhor juízo, vivo sem pisar em nuvens de Juno. Não sou o Pina Manique que muitos imaginam, apenas tento ver o que existe por trás das coisas e divido essas impressões com a sociedade de leitores do meu blog. Se o blogosfera permite-me essa interação, que viva ela.
Minha vida, durante muito tempo andou como o dito atribuído a Luiz XV: “ Après nous le dèluge”, ou seja, depois de minha morte pode vir o dilúvio, que pouco estou ligando. Curiosamente, não estou mais pensando assim. É claro, veio a Nina e agora tenho ela e a Lizi, justamente sobre isso eu conversava com o Júlio Ruivo hoje a tarde. Quero viver como Dàfnis e Cloe, com direito a todos os sentidos e construção de uma identidade com à tradição e tudo mais.
Poderia ser cálido?