quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um acordo em comum com conjunção de interesses

Todo o jornalista tem uma relação diferenciada com a sociedade onde vive. O jornalista é exposto, sua vida é vasculhada, ele é alvo direto de ódios, de rancores e até de simpatias e amores.

No ano de 2000, comprei um domínio na SANTIAGONET e coloquei na Internet o primeiro jornal digital de Santiago e região, aliás, um dos primeiros jornais digitais do Estado. Eu escrevia e o designer Luciano Barreto fazia toda a produção digital. Era um jornal ousado, arrojado e incompreendido pela sociedade que não sabia reconhecer um jornal digital no ano 2000. Isolado, sem patrocínios, teve vida curta o jornal a hora on line, não durando 2 anos.

Em abril de 2003, crei um blog onde fazia uma postagem mensal, aqueles textos extremamente longos, de 15, 18, 20 páginas. Mas foi mesmo em 2004, no ano seguinte, que comecei com as postagens diárias. Naquele tempo, pouquíssimas pessoas liam blogs e raros eram os blogueiros.

Com o passar dos anos, os blogs foram firmando-se, as pessoas foram criando o hábito da leitura, outras pessoas foram criando coragem e abrindo seus próprios blogs; Santiago - quer queiram, quer não - é hoje reconhecida Estado afora pela blogsfera incendiária que possui, pela ampla troca de idéias, pelos debates quentes, pela ampla liberdade de expressão e de manifestação. Todos meus leitores e todos os blogueiros sabem muito bem da minha posição e de minha índole: sempre incentivei a que as pessoas abrissem blogs e adotassem a linha de expressão digital. Sempre apostei na construção do fenômeno.

Dois meses depois da eleição de 2008, quando o híper contador do blog começou a atingir e a superar a marcar de mil acessos diários, ficou claro a grande contradição de minha vida. Obviedade entre o fracasso eleitoral e o sucesso de leitores. Por isso, para evitar concorrências com os colegas locais, para evitar disputas bobas, baseado no princípio de que não buscava jogos e que queria ampliar a produção da escrita, desativei o reloginho contador de acessos.

Só eu, só eu, só eu mesmo tenho a clara noção do alcance do blog. Ainda há dois dias - ao publicar as notas do IDEB e ao apostar contra os números do poderoso jornal Diário de Santa Maria - pelos e-mails, pelos telefonemas que pipocavam de todos os cantos de Santiago, percebi o quanto essa publicação sacudiu a cidade. E ainda precisei ouvir uma pérola de uma professora, vizinha nossa, inclusive: - "mas tu acha que tu tá certo e o Diário de Santa Maria, da RBS, errado?" É que o Jornal publicou números que destoavam totalmente dos publicados pelo blog e logo as pessoas, professores, famílias, alunos, políticos, autoridades, viam-se diante de dois resultados. Para mim era tão óbvio que o Jornal estava errado que em nenhum momento tive dúvidas do que publiquei. Mas as pessoas até ficavam em dúvidas, afinal era o Diário da RBS dizendo uma coisa e o blogueiro solitário, aqui, dizendo outra. O resultado todos sabem, o Jornal admitiu o erro e - finalmente todos precisaram admitir que o blogueiro solitário, aqui, estava certo.

Por outro lado, conquistei leitores diários em quase toda a região, digo região, as cidades aqui em roda de Santiago, incluindo aí leitores em São Borja e Santa Maria, passando amplamente pelas cidades envolvidas por nossa região. Sei muito bem os nichos de leitores que tenho no eixo de Teotônia, Estrela, Lageado, Venâncio Aires (e isso decorre das pessoas que mandam e-mails e interagem comigo). Tenho dezenas de leitores em Canoas, em Porto Alegre, no Vale do Sinos, em São Leopoldo; aliás, falando em São Leopoldo, segunda-feira recebi um e-mail de um grande teórico do Seminário Teológico, Mestre Jorge Luis Teixeira da Silva, levantando uma questão da teoria crítica em Boaventura Santos. Respondi o e-mail e fiquei me questionando, como e porque no Seminário Teológico Instituto Ecumênico de Pós-Graduação de São Leopoldo eles leem o blog?

Por outro, abrimos espaços na região de Santo Angelo, de Erechim, e temos leitores diários em Alegrete, São Francisco de Assis, Itaqui...

Tenho bem claro, da mesma forma, os nichos de leitores fora do Estado, embora esses sejam mais reduzidos e mais perceptíveis, mas a Verdade é que sempre existem surpresas. Recebo pedidos do meu último livro de vários Estados, e posso citar os mais recentes: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Amapá e Pará.

Outro dia, conversando com uma amiga santiaguense, fiquei feliz de saber que tenho leitores diários em MILÃO, onde ela  acompanha os fatos daqui pelo meu blog. Aliás, tenho duas ou três dezenas de leitores - (muitos ligados a Jaguari) - na Itália.

Sei que tudo isso é muito estranho e paradoxal. Não se trata das pessoas gostarem do blog, não se trata disso, mas se trata - sim - que as pessoas leem o blog e que esse meio de comunicação - com a  genuína marca santiaguense - consolidou-se como o mais forte produto literário aqui produzido. Aliás, quem não conheçe o professor Vilmar Guerino Rosa? Dias atrás ele me procurou e contou-me que sua filha chegou em Florianópolis e pegou um táxi. Ao conversar com o motorista e ao dizer que era de Santiago, esse motorista imediatamente passou a falar em mim e no blog. É claro que é uma pessoa ligada a nós, mas que sintetiza bem a referência que nos tornamos.

Amado e odiado, o blog não é indiferente a ninguém. Mas - mesmo os piores adversários - reconhecem que eu sou aplicado na produção digital, que eu estudo e produzo um produto de qualidade, que não envergonha a ninguém pela qualidade.

Entretanto, a expansão da aceitação não correspondeu e nunca correspondeu aos patrocínios necessários para se fazer esse tipo de trabalho, que absorve horas e horas de leitura, de preparação nos textos diários. Manter um blog profissional custa muito caro e aí começaram as grandes contradições, embora os anunciantes locais devam ser elogiados pela compreensão e pela aposta publicitária.

Eu me dispus a escrever e me disponho a produzir textos e reflexões porque fiz um investimento pessoal na minha formação. Autodidata, domino várias áreas do conhecimento, embora tenha cursado as faculdades de Direito, Sociologia e Letras, em nível de pós-graduação, acredito que tenho honestidade na minha relação com as pessoas. No recente concurso que fiz para professor do Instituto Federal Tecnológico consegui nota final 85.72, sinal evidente que ao ser bem avaliado por uma banca competente não fiz feio.

Em meio a tudo a imprensa santiaguense cresceu em quantidade e tudo virou um tumulto sem precedentes. Crescemos tanto que existe até uma certa confusão na medida em tudo se mistura. Embora as pessoas saibam onde reside a diferença, os limites socioeconômicos da região limitam tudo. E a coisa afunilou-se tanto a ponto de eu próprio perceber que estava impraticável seguir avançando nessa terrível contradição, sucesso absoluto de leitores em várias cidades, Estados e países  e fracasso no retorno capaz de manter uma atividade literária alvissareira e de qualidade.

Todos sabem que eu vivo em Santiago. Que moramos numa casa eu, a Eliziane, a Nina - com 34 dias e o Totó, nosso cachorrinho. Minha vida, como de todo jornalista e escritor, é pública, aberta, sem nada a esconder, vasculhável a qualquer momento. Inquieto em meio a essa contradição terrível, tendo que prover o sustento a contento de minha família, admiti a exaustão que estava enredado entre a paixão pela escrita e a necessidade de sobrevivência.

Muitas vezes somos humilhados correndo atrás de notinhas para receber alguns trocados. Poucas pessoas entendem que quando a gente saí juntando os troquinhos de um e outro anunciante para organizar uma renda mensal a gente faz isso pelo amor à escrita, as coisas da gente, aos nossos valores, aos valores da nossa região. Ao invés de sermos reconhecidos pela nobreza do que fazemos, somos vistos como problemas, estorvos, incômodos.

Eu morei 16 anos em Porto Alegre, São Paulo e Brasília. Já fui um dos assessores de imprensa mais bem pagos do Estado, coordenei o departamento de imprensa da Federação Nacional dos Fazendários, dos órgãos centrais da Secretaria Estadual da Fazenda, portanto, sei bem como é a coisa. Fui embora e voltei pelas minhas contradições, pela morte do meu pai, pela doença de minha mãe, sou Santiaguense, todas minhas raízes estão aqui. Ademais, meu sobrinho e minha sobrinha, o Guilhes e a Letícia, atuam nas 2 maiores revistas do Brasil, em cargos de direção na Veja e na Época, sei bem que pessoas - colunistas - recebem salários de que variam entre 12 e 24 mil reais para escreverem uma coluna semana e manterem um blog. O que eu quero dizer com isso é que pessoas que escrevem, ganham e ganham muito bem para escreverem e produzirem seus textos. Mas - também - sempre tive consciência que Santiago é Santiago e São Paulo é São Paulo, logo sei que as circunstâncias materiais determinam tudo, inclusive a miséria de quem tenta fazer da escrita um meio de vida nessas bandas.

Por tudo e ainda por abonimar outros tantos valores que julgo medíocres nas relações sociais locais é que decidi procurar outros horizontes para minha vida e para minha família.

No meio disso tudo, um fato novo: nasceu a Nina.

Eu tenho plena consciência do significado de uma família, do amor e da vida em sociedade. A Eliziane representa muito em minha vida, mas muito mesmo. Embora - eventualmente  tenhamos discordâncias sobre questões bem pontuais, no todo, na essência, credito a ela a experiência única de ter vivido um amor sincero, de ter um lar, de ter uma família e - agora - de ter uma filha.

Revi e em muito meus conceitos. Experimentei a rara sensação de ser pai e sou uma pessoa totalmente feliz pela NINA.

Domingo a tarde, quando fui buscar a Eliziane, em Maçambará, junto com a Nina, experenciei cenas que raras, chocantes, comoventes e de cortar o coração de qualquer um que têm sentimentos. O pai da Eliziane, senhor Derli Sienna Mello, desmanchando-se em lágrimas quando fomos nos despedir. Pude notar o quanto ele ama a Eliziane e o quanto ele estava feliz com a Nina em sua casa.

Embora arredio, avesso a aceitar a vida em família, fico comovido e tocado profundamente em minha sensibilidade. Por outro lado, feliz, por que mesmo distante desse entendimento clássico de família, pude notar que a Nina, meu amorzinho e minha vidinha, tinha outras pessoas que a amavam e a desejavam proteger.

A Eliziane, quando decidiu ficar aqui em Santiago para fazer faculdade, também fez uma renúncia, pois tinha notas suficientes, pelo PEIS, para ingressar na UFSM. A pedido do avô e do pai, preferiu ficar por aqui, por perto. Ela vem de uma família muito bem estruturada, gente decente e de ótima índole moral. Mais que amor, mais que companheiro, eu sou um grande admirador da Eliziane, ela é uma jovem, tem 25 anos, mas tem muita firmeza, muita decisão, tem um caráter raro, como como nunca tinha visto.

Eu sempre vivi uma vida livre, nunca finquei raízes, sempre preferi estar em vários lugares, não estando em nenhum. Talvez o medo de legar a um filho a herança problemática de minha vida, fez-me distante da condição de ser pai, sempre.

Hoje a Nina está com 34 dias. A Lizi não quer sair daqui agora, quer ficar aqui, estudando, perto dos pais e das pessoas que ela adotou como amigos. Eu sempre deixei bem claro minha idéia e minha pretensão de viver noutro lugar, buscar novos horizontes, desbravar novas relações. Honestamente, sinto-me um tanto preso em Santiago, sinto-me atado, bloqueado, não consigo dar vazão as minhas pretensões, sei lá, minha alma ainda habita na mansão do amanhã, sinto um pulsar muito forte dentro de mim que não permite que eu fique levando a vida que levo e aceitando todas essas limitações materiais passivamente. Face a necessidade de tomada de uma decisão, sabendo que a Lizi entende minha alma, concordei com ela, com os pais dela, com minha irmã, de ficar mais um tempo, ver se as coisas se ajeitam, enquanto ela amamenta a Nina, enquanto a Nina cresce um pouco, enquanto a gente administra um pouco a questão familiar.

Por outro lado, não teria como sair, virar as costas e deixar a Nina e a Lizi para ir atrás apenas pela questão financeira. Elas são tudo o que eu tenho, tudo o que mais significa para mim. Então, em comum acordo, eu e a Lizi, acertamos que era melhor  um prazo em face da delicadeza da hora e da sensibilidade do momento. Assim fizemos, assim acordamos, assim será. Foi uma decisão dífícil, mas sincera e acordada em cima do amor e do entendimento, sobretudo.